O laboratório comandado pela professora Andrea Torrão, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, investiga o efeito de compostos derivados da maconha (Cannabis sativa) sobre doenças neurodegenerativas como Parkinson e Alzheimer.
“Buscamos entender quais são os mecanismos envolvidos nas doenças neurodegenerativas, então reproduzimos esses mecanismos em células em cultivo e tratamos com os compostos canabinoides”, diz Torrão. O objetivo é identificar efeitos neuroprotetores dessas substâncias, ou seja, a diminuição da morte neuronal.
Sistema canabinoide
A partir da observação dos efeitos do THC, composto psicotrópico da Cannabis, pesquisadores americanos descobriram nas últimas décadas que o cérebro humano possui receptores para essas moléculas. Nosso organismo, inclusive, produz duas dessas substâncias, chamadas endocanabinoides por serem sintetizadas internamente: a anandamida e o 2-araquidonilglicerol. São moléculas lipofílicas, produzidas a partir de lipídios da membrana das nossas células.
“Com um estímulo a esse neurônio, se mobiliza o lipídio, essa substância é produzida e liberada para o outro neurônio”, explica a professora. No geral, a ativação canabinoide diminui a atividade neuronal.
Pesquisa in vivo
O trabalho de doutorado de Gabriela Pena Chaves-Kirsten, orientada por Andrea Torrão, que utilizou modelo animal, buscou averiguar a expressão do receptor canabinoide CB1. No estudo, foi injetada nos ratos uma toxina que mata os neurônios que produzem o neurotransmissor dopamina, reproduzindo o que ocorre em pacientes com Parkinson.
Os animais foram checados após 1, 5, 10, 20 e 60 dias após a injeção da toxina. Foi verificado que a degeneração e os problemas motores eram piores com o passar do tempo. No entanto, a variação do CB1 não corresponde a tal progressão da doença. “Em alguns momentos há aumento do CB1 e em outros, uma diminuição. A gente não sabe muito bem o que significa esse fenômeno, mas a ideia é que talvez seja uma tentativa do sistema nervoso se recuperar dessa lesão”, revela Torrão.
O aumento de CB1 nos primeiros dias aponta nesse sentido, mas não ocorre um padrão ao longo do tempo. Segundo a professora, o sistema canabinoide parece participar de alguns mecanismos envolvidos na doença de Parkinson.
Canabidiol e regulação
A pesquisadora Andrea Torrão, em seu trabalho de pós-doutorado na Espanha, trabalhou com o canabidiol. No Brasil, o uso da substância como remédio foi autorizado somente neste ano. Mesmo com a abertura e uma série de efeitos benéficos (progressão mais lenta da epilepsia e redução dos sintomas), sua regulação é ainda bastante rígida. Para fins científicos, o canabidiol continua proibido no país. O estudo da professora realizado na Espanha indicou efeitos neuroprotetores extremamente positivos, num modelo que pesquisou a esclerose múltipla in vitro.
O canabidiol é extraído diretamente da planta e é, dentre os canabinoides que não possuem propriedades psicotrópicas, o mais abundante. A equipe do ICB trabalha com compostos sintetizados em laboratório no exterior e importados.
Futuro da área
O conhecimento da participação dos compostos derivados da maconha nessas doenças poderia futuramente levar à invenção de medicamentos, a base de canabinoides, que melhorasse a condição dos pacientes. Ainda é necessário, porém, estudar mais a fundo esses mecanismos.
Não é apenas em doenças do sistema nervoso que o efeito dos canabinodes tem se mostrado benéfico. Suas propriedades como anti-inflamatório, analgésico, antivômito e mesmo no combate a células tumorais são cada vez mais asseguradas pela ciência. Além disso, a tendência demográfica de envelhecimento da população mundial aponta para a destacada importância de se estudar as doenças degenerativas. Os compostos derivados da Cannabis têm se mostrado como uma das alternativas terapêuticas promissoras na área.