O laboratório chefiado pela professora Silvia Boscardin, do Departamento de Parasitologia do ICB-USP, estuda um tipo de célula imunológica que é vital para o processo de defesa do organismo. São as células dendríticas, especialmente promissoras no desenvolvimento de vacinas contra dengue e malária.
Sistema imunológico
A defesa do nosso organismo se divide basicamente entre imunidade inata e imunidade adaptativa. A primeira corresponde ao reconhecimento, pelo nosso sistema, de padrões bioquímicos dos patógenos, capacidade adquirida evolutivamente. Já a segunda é que realiza o combate de fato, reconhecendo partes específicas do agente invasor e desenvolvendo substâncias. “A resposta imune adaptativa consegue discriminar entre uma Escherichia coli e uma Shigella, a resposta imune inata diz somente que é uma bactéria”, exemplifica a professora.
As células dendríticas desempenham um papel central na ponte entre os dois tipos de imunidade. Elas possuem uma grande quantidade de receptores e se localizam em áreas estratégicas do corpo –pele, mucosas (respiratória e intestinal) e órgãos linfoides secundários (baço e linfonodos). Essas células são capazes de carregar o patógeno até esses órgãos e fazer o que se chama de apresentação de antígeno, estimulando os linfócitos, que combaterão a doença.
“O que a gente faz é tentar manipular a célula dendrítica, tentando mandar um pedaço do patógeno diretamente para ela”, explica Boscardin. A estratégia é a seguinte: um anticorpo, ligado a um trecho da proteína E (do envelope do vírus da dengue), entra em contato com uma célula dendrítica e, então, é endocitado (“engolido”) por ela. No entanto, é necessária uma substância que estimule a reação do organismo, e então é injetada a molécula poly I:C, um potente indutor de resposta imunológica. O laboratório utiliza modelo in vivo, em camundongos.
“No final, conseguimos detectar uma resposta específica de células T e também de linfócitos B”, revela Boscardin. No processo, o anticorpo com a proteína E estimula os linfócitos T, que por sua vez ativa os linfócitos B, células especializadas em produzir anticorpos. “No grande final, é possível gerar uma resposta imunológica específica para células T e também gerar anticorpos contra o patógeno”. Segundo a professora, ao criar uma forma de combater a proteína do envelope viral há boas chances de se impedir a invasão da dengue.
Silvia Boscardin estuda as células dendríticas desde o seu trabalho de pós-doutorado na Universidade de Rockefeller, nos Estados Unidos. Na ocasião, ela teve a oportunidade de trabalhar com Ralph Steinman, cientista que descobriu a existência dessas células e foi laureado com o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 2011.
A dengue
De acordo com o Ministério da Saúde, em 2015 foram registrados mais de 740 mil casos de dengue no Brasil até a terceira semana de abril, e 66% deles ocorreram no Sudeste. Neste ano todas as regiões do país atravessam uma piora no quadro da dengue, como aponta o mesmo relatório do Ministério. Mais de 90% dos municípios de São Paulo registraram pelo menos um caso da doença nos primeiros meses do ano.
Não há, no mercado, uma vacina contra a dengue. O vírus possui quatro tipos diferentes, o que representa a maior dificuldade de combatê-lo. A vacina precisaria imunizar uma pessoa contra todos os tipos ao mesmo tempo com a mesma eficiência, o que atualmente é um desafio. O maior problema é que há o risco de que, caso um indivíduo seja imunizado contra um tipo e não contra o outro e seja novamente infectado, os anticorpos que foram gerados anteriormente induzam uma infecção pior – trata-se de uma especificidade desse vírus.
O laboratório do ICB trabalha atualmente com o direcionamento de antígeno da dengue tipo 2.
Futuro incerto
“Há ainda trabalho para os próximos 20, 30 anos”, diz Boscardin. Ela ressalta que é preciso entender os mecanismos de escape desses patógenos que “aprenderam” a conviver com o ser humano e que eles não são triviais. Camundongos são resistentes ao vírus da dengue, o que dificulta os estudos. Trabalhar com pessoas é muito mais complicado pois exige regulações rígidas, como não poder dar drogas ou terapias desconhecidas. Como aponta a professora, as pesquisas na área ainda se encontram distantes de uma vacina eficaz.