A força que a palavra possui e o valor dado a ela são inquestionáveis. Porém, a imagem tem um potencial que, muitas vezes, é deixado de lado. A sua autonomia em relação à palavra e a sua importância para o entendimento das histórias das cidades serviram de tema para a tese "Transversal do tempo: a transformação da paisagem urbana", de Silvio Luiz Cordeiro, defendida no MAE (Museu de Arqueologia e Etnologia da USP).
Apesar de o tema trabalhado ser a abordagem arqueológica do ambiente urbano, o objeto central é a paisagem. "Nos lugares onde encontramos vestígios físicos de outros tempos, a paisagem representa um conjunto de temporalidades”, afirma Silvio.
A tese foge da estrutura clássica acadêmica, que consiste em uma sequência de capítulos que levam a uma conclusão. Ela é composta por ensaios que falam sempre do mesmo assunto: o potencial da imagem na arqueologia. "As imagens guardam uma história. Às vezes, a coisa foi destruída e só restou a fotografia", complementa. Um exemplo disso é São Paulo, cidade que Silvio classifica como autofágica. Com o passar do tempo, a paisagem vai se destruindo e, consequentemente, mudando. A verticalização toma conta do espaço e o que resta da paisagem antiga é a imagem.
Os capítulos vão trazendo lugares ao redor do mundo para ilustrar o tema. O primeiro fala de Roma, cidade que tem uma história extensa e cheia de decadências e ascensões. Silvio diz que a escolheu por ser uma cidade muito viva, que, por mais que tenha tido seus maus tempos, nunca morreu. Em comparação com São Paulo, "se Roma tem o passado feito por acúmulos, em termos de patrimônio histórico, São Paulo é o contrário: é uma cidade de supressões".
Outro ensaio versa sobre a cidade como hipertexto, como lugar de poder. Recuperando o mito da Torre de Babel, trata de cidades medievais da Itália e de Nova Iorque. Reforça-se a questão da narrativa através da imagem, como é possível criar uma narrativa sobre o passado e tratar de coisas que nem existem mais a partir de uma imagem. Por exemplo, uma fotografia do sítio onde se encontravam as Torres Gêmeas, em NY, é um registro histórico do que aconteceu, traz uma enorme narrativa consigo, de acordo com o pesquisador.
Assim, permeia-se, na tese, a questão da imagem como documento e narrativa. "Várias ciências produzem imagens e não se dão conta disso", diz Silvio. A arqueologia, por exemplo, constrói narrativas de tempos passados através de imagens, gráficos, mapas e, muitas vezes, dá um valor muito maior para a palavra quando, na verdade, a essência está no campo imagético.
As imagens foram escolhidas primeiro - foram analisadas mais de 5 mil - e depois o texto foi escrito. "Sem elas não se chegaria a um texto. Eu fui atrás das narrativas que elas contêm", afirma. Isso prova que, afinal, a imagem não é tão servil ao texto quanto se imagina. Muito pelo contrário, possui uma grande autonomia em relação à palavra.