Pesquisa da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP analisa o novo status social que a obesidade passa a ter. Desde 2012, a dissertação de mestrado “Produção de sentidos na balança: as relações entre ciência, mídia e cotidiano nos discursos de obesidade”, de Fabiano Marçal Estanislau, compara os discursos entre si. A principal descoberta foi a pluralidade do discurso do cotidiano.
Considerada um problema de saúde desde o final da década de 1990, a obesidade ganhou destaque com a chamada “inversão nutricional” da época: a subnutrição perdeu espaço para o sobrepeso. Desde então, tem chamado cada vez mais atenção dos órgãos oficiais e da mídia.
Para realizar o estudo, Estanislau utilizou artigos científicos brasileiros dos portais da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Scientific Electronic Library Online (SciELO) produzidos a partir do ano 2000 sobre obesidade. Se percebeu, além do aumento contínuo de publicações, uma tentativa de disciplinar as pessoas através da apresentação de riscos alarmantes. Embora o tema seja de interesse de todas as áreas científicas, as Ciências da Saúde são responsáveis por produzir 94% dos artigos.
O discurso midiático ficou por conta do programa televisivo “Bem Estar”, da Rede Globo. Estanislau conta que a escolha se deu pela importância que a programação tem: “‘Bem Estar’ foi o primeiro programa voltado exclusivamente para a saúde na televisão aberta e possui um alcance considerável”. A partir do exame de três episódios que se voltaram para a obesidade, o mestrando pode perceber dois tipos ideais de obesos para a mídia: o infeliz, que não realiza as tarefas rotineiras, e o feliz pós-emagrecimento.
Estanislau também questiona a linguagem midiática indireta. No “Bem Estar”, por exemplo, se constrói a imagem de um “grande consultório”, já que os especialistas presentes não abrem do jaleco característico da classe médica. Segundo o pesquisador, para dar credibilidade à sua mensagem, a mídia se apropria do discurso científico e utiliza os dados como prova irrefutável da verossimilhança daquilo que instrui. “Essa aliança entre mídia e ciência não acontece só na combinação dos discursos, mas nas figuras visuais, caso das vestimentas médicas”, explica Estanislau.
Para dar conta do discurso do cotidiano, Fabiano registrou, durante um ano, as conversas casuais que presenciava sobre obesidade em São Paulo, Rio Branco e Guarujá. A intenção era comparar os discursos, a fim de mensurar a influência da ciência e da mídia nas falas informais. De acordo com ele, o cotidiano é o campo com maior diversidade de discursos, pois abarca aqueles emitidos pela mídia e cria um contra-discurso de enaltecimento da autoestima do obeso. Apesar da influência que as falas formais possuem, elas não dão conta de unificar a fala popular.
Para Fabiano, as disparidades entre os discursos se justifica pelas experiências diversas pelas quais os emissores estão sujeitos. No entanto, o pesquisador não deixa de questionar a falta de reflexão dos discursos especializados acerca da criação de certos preconceitos.
A dissertação, que foi defendida em outubro de 2014, teve orientação da professora Ângela Maria Machado de Lima Hutchison.