Existe um grande debate entre os especialistas na área prisional sobre a possibilidade de os bebês de presas passarem mais tempo com elas: alguns defendem que mãe e bebê deveriam ter mais tempo juntos, enquanto outros apontam que a pena da condenada não deve se estender à criança, que portanto deve ficar livre e, consequentemente, longe dela. O consenso geral é de que a separação obrigatória após a amamentação é traumática para ambos. Essa situação complexa de contraste entre nascimento e prisão afeta profundamente essas mães, e também os profissionais que atuam no local. Um novo estudo realizado na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP aponta que esses trabalhadores são profundamente marcados por essa realidade.
A pesquisadora Tatiane Guimarães, autora do trabalho, afirma que existe um grande paradoxo entre ser mãe, uma função que exige tanta vitalidade, e estar presa num ambiente muitas vezes mortificante: “Isso mobiliza sentimentos nos funcionários: de dó, lamentação, tristeza, e ao mesmo tempo um desejo de lutar por essas mulheres, dependendo da função em que eles atuam junto às presas”, explica. No final da gravidez, essas mulheres são encaminhadas para unidades materno-infantis, onde permanecem com seus filhos até que eles tenham seis meses de idade: “Os bebês vão embora. As mães vão embora. Os funcionários ficam”, aponta a pesquisadora.
Além disso, a própria rotina desses profissionais é cercada pela atmosfera do aprisionamento, uma vez que algumas restrições das presas acabam se estendendo para eles: “São minadas algumas questões pessoais - como a proibição do uso de relógios - o que fere a autonomia deles”, afirma Tatiane. Existe ainda um clima cotidiano de vigilância e estresse. Essas pessoas ficam marcadas por sentimentos de vulnerabilidade e impotência, muitas vezes pela falta de recursos que marcam esses ambientes.
Diante dessa situação, os profissionais participantes da pesquisa relacionados à área da saúde e ligados a questões sociais assumem uma postura de luta pelos direitos dessas mulheres, de fiscalização do modo como elas são tratadas, de tentativa de alterar essa realidade. Segundo apurado pela pesquisa, nesse campo encontram-se a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que busca libertar ou conseguir penas alternativas para as presas grávidas ou com bebês; a Pastoral Carcerária, órgão que possui uma atuação religiosa e política muito forte dentro dos presídios; o Departamento Penitenciário Nacional, que busca fiscalizar e unificar as leis estaduais; além de ex-servidores das unidades materno-infantis.
Entre os ex-servidores, foi entrevistado um segurança que teve um posicionamento distoante do restante dos outros entrevistados para a pesquisa, em parte pelo que se exigia da sua função: distanciamento. A pesquisadora explica que o funcionário mantinha uma distância física das presas - que é obrigatória em sua função -, mas também uma distância emocional, que lhe permite ter um olhar mais moralizador sobre a situação, misturando compaixão pela situação da mãe e desejo de punição por seus crimes.
Embora o último participante reforce a lógica prisional enquanto os outros tentam mudá-la, o sistema se reflete em todos eles, tanto na vida profissional quanto na pessoal. Uma das possibilidades que auxiliariam esses funcionários a conviver com essa realidade seria propiciar espaços de reflexão, com discussão de casos, para que os profissionais pensem sobre ações cotidianas, os limites e possibilidades do trabalho em equipe que eles desenvolvem. Segundo a pesquisadora, conciliar as diferentes visões muitas vezes é difícil, porém é um dos caminhos para se enfrentar essas situações: “Nós pensamos nas presas, mas não nesses profissionais, no geral. Eles necessitam desses espaços de reflexão potenciais para compartilharem seu cotidiano prisional e repensarem práticas”, completa Tatiane.