No mundo todo, a raiva é uma doença infecciosa que acomete, por ano, 55 mil pessoas. “Não é um surto, pois acontece como uma constante, mas ocorre mais do que qualquer surto”, explica o professor Paulo Eduardo Brandão, da Faculdade de Medicina Veterinária da USP (FMVZ). Existe a vacina de prevenção, que é aplicada apenas em quem trabalha em laboratórios, ou com animais, uma vez que não é aberta à população. Se uma pessoa passar por um ataque, deve procurar a vacinação, que é altamente eficiente e pode fazer efeito até 10 dias depois da mordida. Por isso é importante sempre que uma pessoa leva uma mordida de um animal, procurar um hospital imediatamente para receber a vacina. Porém, uma vez que os sintomas da doença aparecem, todos os casos são fatais. Pensando nisso, o professor iniciou uma pesquisa aplicada para o desenvolvimento de antivirais para a raiva.
A raiva é uma doença super agressiva, cujo procedimento padrão consiste em, além do tratamento, induzir o paciente a um coma profundo para reduzir o metabolismo e o sofrimento do doente, que pode sofrer convulsões e automutilação. O professor Paulo Eduardo Brandão acredita que essas alterações de comportamento possam relacionar a raiva às lendas sobre lobisomem, vampiros e zumbis, já que muitas dessas histórias têm total concordância com os sintomas da doença. “O vírus da raiva comanda o cérebro do hospedeiro para torná-lo um transmissor: é exatamente um vírus que transforma o hospedeiro em um zumbi, que perde a consciência e começa a agredir os outros”.
Já existe um tratamento que é proposto em casos humanos, mas no período de testes esse procedimento só funcionou em dois casos, entre dezenas. É um tratamento muito agressivo e não teve a eficácia desejada. O intuito da pesquisa é testar protocolos que aprimorem o tratamento.
O protocolo utilizado pelo professor é uma técnica chamada “interferência por RNA” e é baseado em biologia molecular. “Imagina o vírus da raiva em uma célula”, explica Brandão, “o genoma dele vai ter RNA mensageiro que vai transformar as proteínas virais em novos vírus. O que a gente faz é sintetizar sondas de RNA mensageiro de um modo específico para quebrar o RNA e impedir que o vírus sintetize proteínas”.
O tratamento teve sucesso utilizando o cultivo celular, ou seja, testado em apenas um tipo de célula mantida em laboratório. Também houve sucesso em animais de laboratório, de forma a diminuir a letalidade da raiva em camundongos ao ponto desses animais conseguirem sobreviver à doença.
O professor conta que é improvável que um dia se descubra uma droga específica e única para o tratamento da raiva, de forma que sempre haverá a associação de vários métodos. Isso ocorre pois o vírus da raiva é muito simples e tem disponíveis muitas vias para sobreviver. Assim, é necessário tentar destruir o vírus de outros modos. “Há antivirais que fazem com que o vírus fique preso no citoplasma e não consiga sair. Outros métodos enganam o vírus para que ele sofra mutações, mas nenhum método é 100% eficaz.”, explica Brandão. Dessa forma, a intenção é que o método estudado seja validado e utilizado em conjunto com os demais.
Apesar da pesquisa ainda não ter licenciamento para uso humano, essa mesma tecnologia foi usada e aprovada para o tratamento do surto de ebola, devido à urgência do caso. Após o tratamento ser liberado de forma ampla para o uso clínico humano, a ideia é que seja mais um antiviral entre os vários já conhecidos.
O vírus da raiva possui pelo menos cinco tipos diferentes de RNA mensageiros. O foco da pesquisa do professor é apenas um desses cinco tipos, já que é uma técnica laboritorialmente muito cara. O próximo passo da pesquisa é conseguir desligar todos os RNA mensageiros para destruir o maior número possível de alvos. Em outras pesquisas já se tentou destruir os cinco tipos separadamente, mas nunca de forma simultânea. Além disso, é necessário determinar qual é exatamente a dose necessária para destruir o vírus, já que nos testes não foram feitos com quantidades diferentes do antiviral.