Eventos climáticos anormais verificados no Brasil nos últimos anos, responsáveis por um polêmico esgotamento de reservas hídricas em São Paulo, geraram também volume descomunal de chuvas entre o litoral norte do país e a Cordilheira dos Andes. Regiões que verificaram apenas 20% ou 30% da média de pluviosidade para o período e cheias incomuns no Rio Madeira se tornam duas faces de um padrão global de variações anômalas ao se comparar o ano de 2014 às médias das últimas três décadas.
“Registros históricos e geológicos apontam períodos extremamente secos no passado na região Sudeste”, comenta Maria Assunção Faus da Silva Dias, pesquisadora e professora titular do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP (IAG – USP). “No entanto, não sabemos se a causa é a mesma que a observada entre 2013 e 2015”.
É impossível associar outros casos de estiagem no estado ao atual, por vários fatores. “Dados sobre o clima com medidas instrumentais são relativamente recentes, principalmente sobre as vastas regiões oceânicas”. A pesquisadora, apesar disso, descarta também a tendência de atribuir eventualidades climáticas à queima de combustíveis fósseis ou outras formas de ação humana recentes. “Há uma possibilidade que essa ocorrência de seca no Sudeste do Brasil tenha uma relação com o aquecimento global. Mas não há certeza absoluta sobre isso”.
O estado de São Paulo não tem reações estáveis a alterações climáticas. A região Sul registra um aumento persistente na pluviosidade quando ocorre El Niño, mas não há padrões recorrentes no Sudeste. “Nesse caso, se as mudanças climáticas alterarem a frequência de ocorrência do El Niño e sua intensidade, os efeitos no Rio Grande do Sul são mais bem definidos do que em São Paulo.” Essa especificidade se deve a influência dos oceanos. Em áreas costeiras, águas quentes geram climas úmidos e águas frias geram climas secos. A influência dos oceanos, porém, pode ser levada pela atmosfera a outras regiões, principalmente quando gera fortes chuvas: “Essa chuvas fornecem uma grande quantidade de energia à atmosfera que é levada pelos ventos, e na forma de ondas, por toda a Terra, num prazo de tempo de 30 a 90 dias. Em algumas regiões os efeitos são mais persistentes do que em outras”, o que explica a relativa instabilidade do Sudeste em relação ao Sul.
El Niño é o fenômeno de aquecimento das águas do Oceano Pacífico na costa do Peru, que favorece as chuvas em uma região normalmente seca pelos motivos já explicados. Até 1983 se pensava que o fenômeno tinha consequências apenas locais, mas uma forte ocorrência verificada naquele ano desencadeou alterações globais e chamou a atenção de cientistas. Ele é foi o principal responsável de várias anomalias climáticas graves ao longo das últimas décadas, mas agora tende a perder força. La Niña, fenômeno que gera esfriamento da costa peruana e, portanto, consequências opostas, deverá se tornar preponderante devido a um ciclo maior chamado Oscilação Decadal do Pacífico, uma alteração mais duradoura no regime de temperaturas do oceano.
O fenômeno verificado em 2014 é abrangente, mas ao contrário do El Niño, desconhecido. Além da inversão das chuvas entre o Norte e o Sudeste, houve nevascas nos EUA, enchentes na Inglaterra e aumento de temperatura na Rússia. São eventos provavelmente associados, mas a relação específica que haveria entre eles ainda deverá ser analisada.
“Temos, em geral, memória muito curta, agora só falamos em seca. Mas em 2010 tivemos chuva demais em São Paulo, com inundações e risco de rompimento de barragens. São Paulo é assim mesmo. Tem anos com chuva demais e anos com chuva de menos”, afirma Maria ao ser consultada sobre o despreparo das autoridades e a postura da opinião pública. “O principal é aprender com o passado e com o presente“.
Ela lembra que, apesar do destaque descomunal concedido à emissão de gases poluentes, as variações climáticas estão muito associadas ao desmatamento e à área verde reduzida das cidades: “Esses dois aspectos afetam o ciclo da água, favorecendo os extremos”.
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