Lucília Souza Miranda, pesquisadora do Laboratório de Evolução Marinha, do Instituto de Biociências (IB) da USP, coordenado pelo professor Antonio Carlos Marques está estudando uma classe de cinidários conhecida como Staurozaea, muito pouco estudada até hoje. O trabalho de Lucília já resultou na revisão de uma série de conceitos acerca dessa classe e até mesmo na reclassificação e descoberta de espécies.
Os cnidário são costumeiramente chamados de “águas-vivas”, mas diversos indivíduos desse grupo de animais diferem e, muito, do imaginário popular. Há cinco classes de cnidários. A mais recente delas foi proposta em 2004, a classe Staurozoa. Todos os seres vivos dessa classe são marinhos e bentônicos, isto é, vivem no mar e fixados ao substrato. O foco da pesquisa desenvolvida por Lucília é a evolução das espécies desse grupo de seres vivos. Os estudos da pesquisadora objetivam entender o relacionamento evolutivo entre espécies, a ecologia e as características anatômicas que as definem.
Em uma viagem à Antártida, em 2007, Lucília, juntamente com o pesquisador André Morandini, chefe do Departamento de Zoologia do IB, coletou diversas espécies de seres vivos. Entre elas, a espécie Haliclystus antarticus.
Antes mesmo da viagem, Lucilia já havia decido estudar cnidários em seu mestrado. Ao voltar para o Brasil, a pesquisadora resolveu que o tema de seu mestrado seria o estudo da classe Staurozoa. O ciclo de vida dos animais que pertencem a essa classe difere do ciclo de vida dos outros cnidários. Os Staurozoa, diferentemente dos outros cnidários apresentam características de pólipos e de medusas ao mesmo tempo. É possível encontrar características de polipos e de meduzas no mesmo indivíduo.
Inicialmente, a pesquisadora dedicou-se ao estudo da espécie Haliclystus antarcticus.
O primeiro passo do mestrado de Lucília foi redescrever as caraceterísticas dessa espécie, cuja descrição original era de 1889. A pesquisadora, então revisou todo gênero Haliclystus, ao rediscutir os careceteres que podem ser utilizados para caracterizar as espécies desse gênero e sua distribuição.
Ao comparar o DNA de indivíduos da espécie Haliclystus antarcticus com o DNA de indivíduos da espécie Microhydrula limopsicola, Lucília constatou que, em pelo menos três sequências diferentes de DNA, que os pesquisadores costumam chamar de “marcadores moleculares”, havia similaridade de 100 %. A partir dessa constatação, a pesquisadora levantou a hipótese de que a espécie Microhydrula limopsicola havia sido identificada erroneamente e que, portanto, não pertencia a classe Hydrozoaea. Lucília acredita que o que antes se acreditava ser um espécie é na verdade uma fase do ciclo de vida da Haliclystus antarcticus.
A pesquisadora estudou, ainda no seu mestrado, a anatomia dos indivíduos da espécie Haliclystus antarcticus, ao estudar a morfologia interna dessa espécie.
Depois de concluir seu mestrado, Lucília trabalhou em outras publicações, todas, pautadas pela estudo dos Staurozoa. Em uma delas tratou do Bloom de cnidários que ocorre, geralmente no verão, em diversas regiões do planeta. Esse é um fenômeno muito estudado hoje em dia, principalmente em países que dependem muito da pesca, como o Japão. “Eles estão começando a utilizar as águas vivas pra consumo, já que é uma fonte abundante de alimento”, afirma a pesquisadora. Além do Japão, pesquisas na Argentina estão sendo desenvolvidas para descobrir de que forma sera possível transformar as águas vivas em alimentos nutritivos. Lucilia demonstrou que esse Bloom também ocorre com espécies da classe Staurozoa, diferentemente do que muitos pesquisadores da área defendiam.
A pesquisadora também classificou uma nova espécie de cnidário da classe Stauroza que habita o litoral do Espirito Santo, aqui no Brasil.
No doutorado, a qual ainda está em vias de publicar, Lucilia expandiu o objeto de sua pesquisa. Focou menos na espécie Haliclystus antarcticus e mais no relacionamento entre as diferentes espécies da classe Staurozoa, que somadas correspondem a apenas 50 das aproximadamente 10 mil espécies de cnidários existentes. A pesquisadora propôs uma nova hipótese evolutiva para o grupo e a partir dessa hipótese revisou toda a classificação taxonômica desse grupo de animais.
Lucília também comparou a anotomia de diversas espécies com o intuito de reorganizar o cladograma do grupo. Atualmente já está trabalhando no seu pós-doutorado e continua estudando a classe Staurozoa.
No seu estudo de pós-doutorado, Lucilia está interessada em estudar a ecologia do grupo e entender como ocorreu a diversificação das espécies. O objeto de estudo da pesquisadora é a diferenciação das espécies da classe Staurozoa. Lucília pretende responder algumas questões. Dentre elas, como se deu a adaptação de algumas especies que passaram a habitar regiões tropicais, diferentemente da maioria das especies dessa classe que habitam regiões de águas frias e, por que duas espécies são capazes de sobreviver em águas profundas, a mais de 3 mil metros enquanto todas as outras vivem em águas rasas.
“Hoje em dia são cerca de 5 pessoas que trabalham ativamente com Staurozoa no mundo”, afirma a pesquisadora que destaca a importância de se estudar um grupo de animais relegado pelo mundo acadêmico.