ISSN 2359-5191

26/08/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 83 - Saúde - Escola de Enfermagem
Intervenção familiar de Centros de Atenção Psicossocial tem potencial pouco explorado

Pesquisa do Departamento Materno Infantil e Psiquiátrico, da Escola de Enfermagem (EE - USP), aponta papel fundamental da parceria Família/Estado para a reabilitação de psicossocial de crianças e adolescentes. De autoria de Lany de Castro Rocha, o estudo partiu de proposições de métodos educacionais de Paulo Freire que sustentam a promoção do conhecimento, ou seja, de emponderamento social  a partir do conhecimento. A dissertação de mestrado compõe o trabalho de um grupo de pesquisas que trata de temas de família, álcool e drogas, e contou com a colaboração de 13 participantes, todos familiares da criança ou adolescente com transtorno mental, atendidas em um Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (CAPSi), na Zona Sul de São Paulo.

Classificados como unidades de atendimentos diário à portadores de transtornos mentais graves, os Centros de Atenção Psicossocial são responsáveis pelo acolhimento de de milhares de pessoas, em mais de 1,4 mil unidades espalhadas por todo o país. Desde 1992, os CAPS constituem uma alternativa ao modelo tradicional de atendimento em hospital psiquiátrico. Porém, a ampliação da rede para o atendimento especializado de crianças e adolescentes ocorreu apenas em 2001, e, atualmente, existem 134 CAPS Infantis, sendo 23 deles localizados no município de São Paulo.

Lany afirma que foi sua experiência pessoal com pessoas portadoras de sofrimento psíquico que a motivou a realizar pesquisas acerca do tema. Segundo ela, os casos que foram presenciados evidenciaram como o tratamento dado ao paciente muitas vezes fica dependente da formação social de seu cuidador em âmbito familiar. Baseada nessa premissa, o primeiro passo da pesquisa de Lany foi realizar uma avaliação socio-econômica, para compreender as relações entre o nível de instrução familiar, o acesso a informação e o cuidado com o paciente com transtorno psicológico.

Logo após essa etapa, deu-se início a entrevista com os familiares dos pacientes, que buscava indagá-los a respeito de seu conhecimento do transtorno da criança ou adolescente, e como o atendimento pelo CAPSi mudou tal perspectiva. Em um primeiro momento, foi constatado que o conhecimento familiar a respeito da doença era pouco ou inexistente. Porém, segundo os relatos, o suporte dado pela unidade permitiu o aprimoramento dos cuidados com o paciente.

Segundo Lany, o despreparo dos pais e os estigmas sociais são aspectos importantes no atraso de muitos diagnósticos de doenças mentais. “Temos o caso de uma das crianças de lá, portadora de autismo. A mãe percebia o comportamento diferenciado mas não sabia o que era, e pensava que a menina era surda, pois ela tem um filho surdo e as características apresentadas eram semelhantes”, relata Lany. “Essa mãe demorou dois anos para conseguir chegar ao CAPSi. Se ela tivesse alguma informação sobre autismo, ela teria ido diretamente ao serviço de atendimento de saúde mental”.

No que diz repeito à atuação da equipe de atendimento dos CAPSi, Lany aponta a deficiência de uma formação acadêmica direcionada para os cuidados com o paciente com transtorno mental como um dos principais motivos de algumas carências dos serviços oferecidos. Segundo ela, o pouco contato com o tema, por parte de alunos de graduação acontece em ambiente hospitalar. “Ou seja, nós até temos alguma formação no âmbito da psiquiatria, mas não no âmbito da reabilitação de pacientes”, afirma.

Outra dificuldade apontada por ela é no trabalho em equipe. Nos CAPSi, o atendimento é multidisciplinar, com a presença de psiquiatras, fonodiólogos, psicólogos e claro, enfermeiros. “É um novo olhar para o cuidado, pois antes ele era segmentado e agora a abordagem é muito mais ampla”. Entretanto, o que deveria ser positivo, pode, no início causar indeterminação de funções. “A enfermagem tem muito essa questão de que sempre tem um médico. E o que a gente vai fazer em um hospital psiquiátrico? Até se entender o que a enfermagem ia fazer, as profissões tiveram que se ajustar. Tivemos que unir, mas também diluir, os conhecimentos de todos para alcançar o objetivo de cuidar do paciente”, diz Lany.

Em pesquisa realizada anteriomente, junto ao mesmo grupo de pesquisa,  outro aspecto encontrado foi em relação à inclusão efetiva da família no acompanhamento do tratamento da criança ou adolescente, fazendo da CAPSi uma instituição com um potencial pouco explorado. “Poucos CAPSi possuem intervenções voltadas para a família. Dos 15 CAPSi em que trabalhamos, apenas 3 ou 4 tinham propostas de intervenção familiar. “Nem sempre se pensa em estratégias de cuidado para a família, só para a criança”, afirma a pesquisadora. Segundo ela, são esses casos os que mais necessitados de atenção. “Dependendo do nível de gravidade, ela [criança] vai só uma vez por semana. E esses outros dias em que ela não está lá? A família tem que ser orientada para dar continuidade a terapia que você está fazendo”.Por esse motivo que a realização de uma parceria com as famílias torna-se tão importante. Lany aponta, ainda, que quando a dificuldade inclusão do núcleo familiar não está originada na falta de iniciativa da unidade CAPSi, há ainda as dificuldades de deslocamento dos familiares. “Muitas vezes os membros até são chamados a participar de atividades, mas se não for no momento em que o filho está recebendo atendimento, o deslocamento acaba ficando inviável, até mesmo pela condição social da família”

O sobrecarregamento do serviço também aparece como complicação. “CAPSi é porta aberta, o que significa que a pessoa chega e deve ser atendida imediatamente, mas nem sempre isso é possível”. A pesquisadora afirma que o número de profissionais e o número de CAPSi não são suficientes para atender a demanda, resultando, muitas vezes, em listas de espera, em um atendimento que deveria ser imediato.

Mudanças estratégicas vem ocorrendo na área, com o crescimento do pós-graduações na área de saúde mental e iniciativas que promovem capacitações internas nos CAPS por meio de grupos de discussões, que caracterizam a chamada educação continuada em enfermagem. Porém, Lany lembra que a inclusão social do indivíduo com transtorno psíquico não pode se restringir ao âmbito familiar, e sugere que as unidades CAPSi realizem também um trabalho em conjunto com escolas. Alguns CAPSi realizam, trabalhos de parceria com colégios, fazendo trabalhos educativos de formação com os professores ou no tratamento de casos mais pontuais, contudo, essa não é a realidade nacional. “O CAPSi procura desconstruir um estigma. Mostra para a família que a doença é um problema que deve ser cuidado, e toda a sociedade tem que cuidar. Não basta cuidar em casa se, quando vai na escola, a criança sobre bullying, e se no bairro as demais crianças não querem brincar com ela”.

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