O Poder Público brasileiro tem garantidos diversos privilégios quando se trata de processos movidos contra ele – contra a Fazenda Pública - que ferem a isonomia nos julgamentos e, portanto, o cidadão, e devem ser repensados em um contexto de democracia. Denominados prerrogativas, privilégios como prazo dobrado para recorrência, a não obrigatoriedade de respeito ao piso de honorários de advogados e pagamento das despesas processuais apenas ao final do processo são dados ao Poder Público e deixam a parte vulnerável – o cidadão – com ainda menos recursos. A idéia de uma reforma nas leis e no tratamento dado ao Estado em processos civis é defendida em pesquisa realizada na Faculdade de Direito da USP por André Almeida Garcia.
As prerrogativas concedidas ao Poder Público em processos civis são justificadas pelo princípio de proteção ao erário – à fazenda. A lógica considera que é de interesse público a proteção aos recursos do Estado, mas ignora a existência de interesse público na garantia dos direitos individuais, que, em um regime democrático, devem ser prioridade.
A prioridade aos interesses do cidadão e a sua proteção caracterizam a Constituição de 1988 – vigente hoje. A maneira que o Estado é tratado em processos que o envolvem, porém, não corresponde a essas premissas, e protege o Estado em detrimento do cidadão.
O pesquisador destaca o caráter autoritário do tratamento da Fazenda Pública nos processos civis. A inserção de muitas dessas prerrogativas no Código de Processo Civil aconteceu em 1939, no regime autoritário do Estado-Novo e foram mantidas da mesma forma no Código de 1973, promulgado em regime militar. As prerrogativas garantidas ao Poder Público e até o tratamento dos juízes – que geralmente acontece no sentido de proteção ao Estado – da maneira que se configuram, chegam a realizar o papel de instrumento de poder, ao invés de garantir os direitos e proteção do cidadão.
André Garcia comprovou em sua pesquisa que as justificativas para a concessão de condições privilegiadas ao Estado nos processos não têm mais sustentação na atual conjuntura. Se um dia elas se mostraram necessárias, hoje, o Estado dispõe de instrumentos e condições de defesa até mais efetivos que os particulares – do cidadão.
A relação deveria ser inversa, defende o pesquisador. Assim como em processos entre pessoas físicas e jurídicas –empresas –, o consumidor é quem conta com prerrogativas e proteções por ser a parte mais vulnerável, nos processos entre o Poder Público e o cidadão, deveria ser o cidadão a ter garantias prévias.
Entre os privilégios conferidos ao Estado nos processos, por exemplo, está o de, quando não é cumprido um pagamento estabelecido, a multa aplicada ser feita no modelo de precatório. Com isso, a multa passa por um novo processo para ser determinada e paga, o que adia a sua efetuação e pode até resultar na sua isenção. Essa situação, de acordo com André Garcia, deveria ser inversa.
O Poder Público deveria ser sentenciado mais incisivamente, para o cumprimento efetivo de sua obrigação. Isso porque o Poder Público deve dar exemplo de respeito ao direito civil, já que é seu compromisso o cumprimento do direito material.
Assim como no caso das multas, também para outras determinações judiciais o Estado deveria cumprir de maneira exemplar suas sentenças, já que o objetivo é a garantia dos direitos civis.