O agronegócio tem buscado cada vez mais aplicar a sustentabilidade em sua cadeia produtiva, principalmente através de pesquisa e tecnologia. Isso se dá não só por uma questão de produtividade, mas também por pressão de diversos setores, como a população e o mercado internacional, que estão cada vez mais exigentes com os produtos que recebem.
Essa busca se inicia com a tentativa de mudar a imagem do setor: desde que o termo sustentabilidade começou a ser delineado no início dos anos 1970, o agronegócio sempre foi visto como um dos grandes vilões na luta pelo desenvolvimento responsável, que priorizasse os lados social e ambiental tanto quanto o econômico.
Isso ocorre, em grande parte, devido ao grande consumo de recursos naturais utilizados na atividade, já que cerca de 70% da água consumida no Brasil é empregada no setor. Em palestra promovida pela Associação Brasileira do Agronegócio da Região de Ribeirão Preto, o diretor-executivo de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa, Ladislar Martins Neto, citou outros potenciais problemas além da utilização exaustiva desse recurso, entre eles o êxodo rural, os riscos para a biodiversidade e a poluição.
Apesar do cenário aparentemente negativo, o ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, classificou a agricultura brasileira como a mais sustentável do mundo. Durante palestra ministrada na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Rodrigues apontou o que considera como grande problema da aplicação da sustentabilidade no agronegócio: a falta de um olhar conjunto. Empresários, governo e academia costumam ter visões voltadas para a área que mais lhes interessa, enquanto o ideal seria uma abordagem geral que englobasse os três pilares clássicos da sustentabilidade: econômico, social e ambiental.
Demanda produtiva
A necessidade de adaptação e modernização para aumento da produtividade é uma das questões que influenciam o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis. Medidas como melhor uso da terra, economia e reutilização de recursos são, antes de tudo, potencializadores¬ da produtividade e redutores de gastos.
O desenvolvimento tecnológico da primeira etapa do setor produtivo – trabalho com insumos e serviços – demanda grandes investimentos a longo prazo, principalmente em pesquisa científica. Segundo Reginaldo Nacata, gerente do Centro de Pesquisa da Indústria Química (Ihara), novas moléculas demoram cerca de dez anos para serem completamente desenvolvidas e aplicadas, o que demonstra a quantidade de investimentos voltada para o estudo de novos produtos e melhorias genéticas que possam aumentar a produtividade e a qualidade dessas mercadorias.
No campo do maquinário, muito da pesquisa em desenvolvimento é voltada para a economia de combustível ou para alternativas aos produtos derivados do petróleo. Um exemplo disso é o caso das colheitadeiras fabricadas pela Case IH, subsidiária do Grupo Fiat, cujo motor foi desenvolvido para reduzir o consumo de diesel sem perdas operacionais. Segundo o diretor de marketing da empresa, José Roberto Camargo, não há como destacar-se no mercado sem investimento em tecnologia, principalmente visando o desenvolvimento sustentável.
Outro diferencial do maquinário utilizado no campo consiste na instalação de receptores GNSS (Global Navigation Satelite System), equipamentos que permitem um melhor gerenciamento das diferentes áreas de uma propriedade. Segundo a Embrapa, esses sistemas orientados por satélite permitem a geração de mapas de produtividade, que possibilitam uma aplicação otimizada dos recursos para cada área em específico. Dessa forma, a produtividade é mapeada com maior precisão, e não a partir de uma média, como era feito anteriormente.
Na próxima etapa da cadeia, a tecnologia busca impactar todos os aspectos da produção, desde o preparo do solo até a colheita em prol de um modelo mais sustentável. Esses objetivos podem ser alcançados com o emprego de máquinas extremamente desenvolvidas, que permitem melhor gerenciamento da propriedade, com a utilização de controle biológico de pragas – usando predadores naturais das pragas ao invés de químicos –, e com a reutilização de resíduos.
Para o Grupo São Martinho, um dos maiores produtores de açúcar e etanol do Brasil, um dos meios para atingir um desenvolvimento sustentável é ter toda a produção de cana feita de forma mecanizada até o ano de 2018. Segundo o Grupo, a mecanização tem diversos pontos positivos: auxilia na dispersão da queima da cana e é mais eficaz na preservação do solo do que a colheita manual, além da mecanização ser fundamental para o aumento da produtividade. Isso ocorre porque a palha da cana não é queimada, como ocorria no processo feito manualmente.
Ainda se tratando da cana de açúcar, uma saída sustentável para a reutilização de resíduos é o uso controlado da vinhaça, um subproduto da produção de etanol, rico em potássio e que pode ser utilizado para fertilizar o solo no lugar de outros químicos. Esse tipo de adubação é chamado de fertirrigação, processo no qual a vinhaça é distribuída de forma controlada através jatos de água espalhados pela plantação.
Demanda social
Além das mudanças realizadas em prol de uma produtividade maior, outro fator que tem impulsionado a adoção de práticas sustentáveis é a reivindicação da sociedade. Segundo o ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, informações mais completas e avanços na educação estão fazendo com que os indivíduos exijam melhores serviços. No caso do setor agropecuário, a exigência é por produtos mais saudáveis e que atendam a uma relação respeitosa com o meio ambiente.
Existe, ainda, uma pressão do mercado internacional: segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da USP (Cepea), cerca de 43% de tudo que é produzido pelo setor é exportado, e os compradores são exigentes quanto a padrões de qualidade e de produção sustentável. O diretor de marketing da Case IH, Roberto Camargo, aponta que os mercados norte americano e europeu, por exemplo, têm um controle muito rígido quanto ao tipo de produto que estão importando.
Assim, para promover sua imagem frente ao mercado e à população, produtores do setor apresentam prêmios e certificados de sustentabilidade relacionados às conquistas de suas marcas. Como exemplo tem-se o Centro de Distribuição de Peças da Case IH, que recebeu a certificação Leed Gold, um dos mais importantes selos internacionais do meio ambiente. Na produção, o Grupo São Martinho recebeu, para duas de suas usinas, o selo Better Sugarcane Initiative (Bonsulcro), certificação global que analisa a sustentabilidade dos processos associados ao cultivo da cana de açúcar.
Para a pesquisadora Tatiana Matuk, autora de estudo sobre as práticas alimentares contemporâneas e sua relação com o meio ambiente, a sociedade tem uma enorme influência sobre o mercado e não só pode, como deve, exigir alimentos mais saudáveis e processos mais sustentáveis. O problema surge quando o rótulo de sustentabilidade é usado apenas como marketing. A pesquisadora aponta que muitos produtos são vendidos como “ecológicos” sendo que, muitas vezes, apresentam alto consumo de recursos naturais em sua cadeia produtiva: “Infelizmente, muitas indústrias, empresas e instituições utilizam o termo apenas com o intuito de divulgar produtos e serviços, aumentando suas vendas”, explica.