São Paulo (AUN - USP) - O Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), na USP, nacionalizou a tecnologia para a marcação do peptídeo somastatina com elementos radioativos. O radiofármaco – remédio que combina propriedades químicas e radioativas – pode oferecer diagnósticos mais precisos e proporcionar uma sobrevida a pacientes com câncer para os quais os tratamentos convencionais são insuficientes, melhorando também a sua qualidade de vida.
Segundo a pesquisadora Elaine Bortoleti de Araújo, coordenadora do projeto pelo Ipen, o radiofármaco combina a ação direcionada da quimioterapia com o efeito poderoso da radioterapia, sendo por isso ideal para tumores em estágio avançado de desenvolvimento e em caso de metástase – situação em que as células cancerígenas espalham-se pelo corpo, gerando tumores em várias partes do sistema. Nesses casos, a quimioterapia não tem um efeito suficientemente forte para atingir o câncer e os tumores estão espalhados demais para que a radioterapia seja eficaz sem danificar outros órgãos. Como a somastatina marcada é introduzida no sistema através da corrente sanguínea, ela tem efeito sobre todas as partes do corpo.
O remédio, porém, dificilmente elimina o câncer – o mais comum é que haja apenas uma diminuição parcial dos tumores. Embora não haja dados oficiais no Brasil, estima-se que cerca de 50% dos pacientes respondam ao tratamento, que, em média, prolonga a vida do paciente em cerca de quatro anos. Segundo o coordenador do Centro de Medicina Nuclear do Hospital do Câncer A. C. Camargo, Eduardo Nóbrega Pereira Lima, o tratamento diminui muito o sofrimento de pacientes com câncer em estágios avançados de desenvolvimento. Além disso, o tratamento não é invasivo e o paciente precisa apenas passar uma noite internado por questão de segurança radiológica e para controle do médico.
As pesquisas nessa área tiveram início na Itália e na Holanda há cerca de cinco anos, mas o remédio não pode ser importado devido à sua alta perecibilidade: mesmo quando mantido em condições ideais de conservação, o fármaco deve ser ministrado em até 48 horas após a produção, daí a importância da sua produção ser nacionalizada. A pesquisa do Ipen atualmente concentra-se na nacionalização da tecnologia com algumas pequenas modificações, sendo a maioria delas à adaptação da tecnologia aos recursos disponíveis no Brasil.
O tratamento age sobre tumores de origem neuroendócrina, que têm suas células repletas de receptores para a somastatina. Desse modo, quando essas moléculas são injetadas no sangue, a tendência é de que uma grande quantidade delas fiquem acopladas às células cancerígenas. A tecnologia consiste em unir uma substância radioativa (responsável pelo efeito desejado) ao peptídeo, que leva o material até as células doentes. Embora células sadias também tenham receptores de somastatina, nelas o efeito é desprezível, por possuírem um número muito menor de receptores. O Ipen atualmente trabalha com o índio, que marca os tumores para a detecção por aparelhos externos, e o lutécio, que destrói as células cancerígenas.
Um dos fatores que impedem uma utilização mais ampla do radiofármaco é o seu preço ainda bastante alto. Uma única dose marcada com índio custa mais de R$ 2 mil e as doses com lutécio passam dos R$ 5 mil. Há casos, no entanto, em que ele é a última alternativa de tratamento para o paciente com câncer.