ISSN 2359-5191

05/10/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 92 - Sociedade - Faculdade de Direito
Para pesquisadora, lógica do encarceramento e da educação não são compatíveis
Criação do Sinase trouxe novas perspectivas à educação de jovens em conflito com a lei, mas ainda é necessário fazer certas mudanças no sistema prisional de adolescentes para que ela de fato aconteça
Educação de jovens encarcerados é assegurada pelo Sinase

A criação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) fez com que a educação de adolescentes em conflito com a lei fosse regulamentada e vinculada ao ensino formal, garantindo que eles continuassem sua formação, mesmo que em privação de liberdade. Recentemente, 558 internos da Fundação Casa passaram para a segunda fase da Olimpíada de Matemática, um aumento de 2,9% em relação a 2014. Entretanto, tais dados não significam que a educação está sendo garantida de forma plena.

O ensino de jovens durante o encarceramento é um desafio porque não basta ver conteúdo e fazer provas. Educação é muito mais do que isso, e a privação de liberdade compromete as atividades de cultura complementares à ela, as quais são essenciais no quadro geral do aprendizado e também de formação própria. Esses adolescentes já foram extremamente marginalizados antes de entrar na instituição de medidas socioeducativas, então a educação se torna uma forma de ressignificação - algo bem maior do que aprender português e matemática.

Renata Antão, atualmente consultora na Secretaria-Geral da Presidência da República, em sua dissertação de mestrado da Faculdade de Direito (FD) da USP, estuda a questão do direito à educação dos adolescentes em conflito com a lei com base em diversos documentos nacionais e internacionais. Segundo ela, adota-se uma lógica punitivista com relação a esses adolescentes, quando, na verdade, eles já são severamente punidos por suas condições socioeconômicas e, se for caso, por medidas socioeducativas.

As medidas podem ser de três tipos: serviço comunitário, as de regime semiaberto e as privativas de liberdade, cujo objetivo é ressignificar e ressocializar o adolescente, permitindo que ele repense seu papel na sociedade. Entretanto, na prática, elas se tornam de fato penas, isolando-o de sua comunidade, familiares e dificultando atividades culturais e educacionais. O ECA garante aos adolescentes que cumprem tais medidas o direito à educação, mas, de acordo com o Relatório de 2012 feito pela Secretária de Direitos Humanos, havia 22.532 adolescentes em privação de liberdade, mas apenas 15.116 estavam matriculados no ensino escolar feito dentro das unidades em que residiam.

Em tese, os internos da Fundação Casa têm aulas que estão previstas no currículo escolar do MEC e, pela tarde, têm a opção de fazer cursos profissionalizantes oferecidos por ONGs. Nesse ano, 558 estudantes que estão cumprindo medidas privativas de liberdade na Fundação Casa passaram para a segunda fase da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas, ante 552 no ano anterior. No total, mais de 17 milhões de adolescentes participaram da etapa inicial.

O que Renata aponta de incongruente nesse modelo é o fato de educação ser muito mais do que ir à escola. Muito dela se dá no vínculo com os professores, que, muitas vezes, são distantes de seus alunos, e no vínculo com os familiares, os quais, nesse caso, estão distantes pela questão da privação da liberdade. “Educação é amor. Ressignificar é você discutir conteúdos maiores. Como que você vai ressignificar um adolescente com a lógica da opressão?”, questiona ela.

Um dos objetivos da tese O direito à Educação do Adolescente em Situação de Privação de Liberdade é propor que se repense tanto a lógica do encarceramento, como a lógica da educação nesses espaços de medidas socioeducativas, pois são coisas muito distantes, que não se coadunam.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criado há 25 anos para desmistificar a doutrina menorista vigente também chamada de doutrina da situação irregular, ela não desassocia o adolescente pobre do adolescente em conflito com a lei , por mais que tenha avançado na proteção das crianças e adolescentes como um todo, não atingiu plenamente seu objetivo se forem levadas em consideração as minorias dentro desse grupo. Tendo em conta que hoje se debate a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, fica claro que jovens negros, pobres e em conflito com a lei ainda continuam desamparados.

A aprovação do Sinase em 2012 é um passo no caminho de repensar a execução das medidas socioeducativas nos estabelecimentos prisionais adolescentes. Ele foi criado para fortalecer o ECA, reiterando a necessidade de um atendimento baseado em direitos humanos e priorizando as medidas em meio aberto, o que permite a transição do indivíduo na sociedade durante a reflexão. A educação de menores em conflito com a lei, por exemplo, era um ponto que, mesmo com o ECA, precisava de regulamentação, e o Sinase fez justamente isso: especificou que deveria ser vinculado ao sistema formal de ensino.

O Sinase representa uma inovação no modo de tratar a educação e o encarceramento, mas ainda é algo novo, que levará tempo para dar frutos. Concomitante à isso, Renata vê outras formas de fazer com que a legislação seja aplicada: melhorar os mecanismos de monitoramento, adotar práticas transparentes de administração, fortalecer a defensoria pública e espaços de ouvidoria e fazer uma formação de direitos humanos ao longo de toda a corrente de pessoas que se envolvem com o adolescente em conflito com a lei. É um longo trabalho, mas ela aponta que há muitas pessoas trabalhando para isso.

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