Uma pesquisa realizada no Instituto de Biociências (IB) comprova a importância do hormônio melatonina no funcionamento do nosso sistema imunológico. Essa afirmação, porém, só pôde ser dita após quase vinte anos de pesquisa e depois de ter mobilizado muitos pesquisadores e envolvido diferentes teorias. Os professores Regina Markus, Zulma Ferreira e Pedro Fernandes explicam de que forma seus estudos trouxeram à tona as ações do hormônio nos seres vivos.
A melatonina, que é o “guarda-chuva” comum das pesquisas dos três professores, é responsável por indicar a alternância dia/noite em nosso corpo. Quando anoitece, é ele que nos diz quais mudanças devemos realizar em nosso organismo. Nos humanos, por exemplo, esse hormônio indica a hora de dormir. Nos ratos, a hora de buscar alimentos.
Mas essa não é a única atividade do hormônio. Atualmente, a pesquisa se divide em dois eixos principais: a participação do hormônio em processos inflamatórios e na defesa do nosso organismo.
Regina Markus explica que a molécula da melatonina foi considerada muito versátil. “Ela deixou de ser apenas ‘a molécula do sono’ para se tornar uma molécula que é citoprotetora e que marca o escuro no nosso organismo.” A partir do conceito de proteção da célula (citoproteção), os pesquisadores começaram a estudá-la em situação patológica. Ou seja, como o hormônio agia em um organismo doente. O hormônio foi então estudado em diversos modelos de doença: depressão, Alzheimer, inflamação aguda e crônica, além do câncer.
A pesquisa também pôde comprovar que, durante a noite, a melatonina tem uma função que impede a ação inflamatória. Isto é, o hormônio pode ser considerado uma molécula anti-inflamatória.
Mas engana-se quem pensa que a ação anti-inflamatória é algo bom. A inflamação é algo essencial para a defesa do corpo, e, portanto, combater a inflamação às vezes significa não permitir a recuperação da área afetada. De acordo com o professor Pedro Fernandes, a inflamação é necessária para combater a “agressão que o corpo está sofrendo”. “As células inflamatórias foram selecionadas por nosso organismo e permitem que aquela defesa ocorra”, acrescenta.
Foi a partir dessa ideia que os pesquisadores criaram em 2007 a teoria chamada Eixo Imune-Pineal. A teoria diz que a melatonina é produzida à noite na glândula pineal (localizada no cérebro), e funciona como anti-inflamatório. Mas quando surge alguma ação que o organismo precisa responder (como uma bactéria, um corte ou uma cirurgia, por exemplo), há um bloqueio na produção da melatonina, pois é necessário montar uma resposta inflamatória para que o organismo se defenda.
Ou seja, se o organismo está sujeito a uma inflamação, essa informação chega na glândula pineal e bloqueia a produção de melatonina. A diminuição de melatonina no organismo permite que as células de defesa se desloquem para a região inflamada, e então passem a produzir melatonina nas células locais. A interrupção na produção de melatonina permite que as células de proteção identifiquem se há uma inflamação no organismo.
De acordo com a professora Zulma, esse sistema é considerado um eixo porque, quando a glândula pineal para de produzir melatonina, as células de proteção passam a produzir o hormônio no local inflamado. Portanto, não é somente na pineal (no sistema central) que a melatonina é produzida.
Fernades complementa explicando que a melatonina é uma ferramenta para lidar com eventos previsíveis. “Nosso organismo produz um sistema que esteja preparado para eventos recorrentes. Mas, quando ocorre o inesperado, o corpo também está preparado para responder de uma maneira adequada”. O eixo imune-pineal é um exemplo dessa resposta do nosso organismo. A produção de melatonina também ocorre de acordo com o inesperado e com o previsível.