O dano causado em gestantes pelo excesso de poluição nas grandes cidades, decorrente principalmente da grande quantidade de automóveis que circulam nas vias, não poderia ser exceção do resto dos cidadãos, como comprovado na mais recente pesquisa conduzida pela doutora em ciências médicas pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), Luciana Duzolina Manfré Pastro. Diferentemente de outros estudos publicados até então, a doutora e sua equipe se utilizaram da técnica da espirometria para identificar com mais detalhes os efeitos que os poluentes atmosféricos dióxido de nitrogênio (NO2), ôzonio (O3) e material particulado tão presente no ar que respiramos causam nos pulmões das mulheres grávidas da região metropolitana de São Paulo. "A espirometria é uma prova de função pulmonar. Ela mede as capacidades e os volumes pulmonares que cada ser humano tem e a partir disso, se nós encontramos alguma defasagem nessa espirometria, nós conseguimos detectar se o tipo de sintoma que o paciente tem é decorrente da poluição ou não", explica.
Por quase dois anos após o início das pesquisas, a equipe - que já tinha um interesse muito grande em trabalhar com as áreas de poluição atmosférica e obstetrícia e desenvolveu o Projeto ProcriARde medicina reprodutiva- recrutou gestantes a partir de 3 Unidades Básicas de Saúde (UBS) vinculadas à Universidade de São Paulo: as UBS do Jardim Boa Vista, Jardim São Jorge e Paulo VI, que também se integram no Projeto Região Oeste que busca dar experiência profissional aos estudantes de medicina da faculdade. As gestantes foram recrutadas junto com os agentes comunitários de saúde, pois estes tinham o diagnóstico positivo da gravidez e mais proximidade para sugerirem a participação no estudo. Os critérios de inclusão que permitiam a participação da gestante incluíam concordância prévia com o termo de consentimento livre e esclarecido, gestação única (embrião único), tópica (alojada na cavidade uterina) e viável (com batimentos cardíacos presentes), além de tempo de gestação inferior a 13 semanas e 6 dias no dia da primeira espirometria e ausência de doenças maternas préexistentes.
Após a seleção das gestantes, elas eram encaminhadas para o ambulatório de pré-natal da clínica obstétrica do Hospital das Clínicas, onde eram submetidas a 3 ultrassonografias (uma a cada trimestre), exame de sangue, além de uma avaliação nutricional e a espirometria em si. "Na verdade, a pesquisa foi muito legal, é muito bom você trabalhar com gestantes, elas gostavam muito de vir até o HC, de participar, eram sempre muito interessadas no estudo, sempre questionavam o motivo do projeto, eram interessadas em saber os resultados, foi muito legal." conta Luciana. A grande dificuldade, porém, surgiu no momento de utilizar um amostrador passivo individual (imagem), composto por dois filtros de celulose para captar o NO2 e dois para captar O3*, desenvolvido no Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da própria faculdade e designado a cada uma delas. As gestantes o utilizavam por um período de 12 dias em cada trimestre da gestação. "O bom uso desse amostrador passivo dependia muito das gestantes, então nós não estávamos com elas 24h por dia pra saber se elas usavam ou não esse amostrador corretamente. Questionários a respeito do bom uso dos amostradores eram feitos em cada trimestre e os dados eram cruzados com dados da espirometria pra saber se o nível alto de poluição detectava alguma defasagem".
Os resultados, por sua vez, indicaram a presença de um fator muito mais interessante, além das gestantes mais expostas ao material particulado terem danos em um parâmetro da prova função pulmonar. Luciana conta que aos cruzar os dados, ela e sua equipe reparam que o NO2 e o O3 estavam associados ao aumento de alguns parâmetros espirométricos que poderiam indicar também a presença de um fator protetivo do pulmão frente a essa poluição atmosférica, como um sistema de defesa especial por a mulher estar grávida. "Os resultados desse nosso estudo aliados com outros da literatura sugerem que a poluição do ar está associada realmente a déficits da função pulmonar.", conclui ela. "Contudo, a ausência de bibliografia, de outros estudos que viram a espirometria de gestantes expostas à poluição atmosférica, por um lado dificulta a comparação dos nossos resultados com outros, mas por outro também abre a porta para que novos estudos sejam feitos e para que esses resultados sejam mais concisos".
*os dados de material particulado foram captados da CETESB, no mesmo período de utilização dos amostradores passivos que capta as partículas de poluição a que as gestantes estão expostas.