Os pinguins são um dos grupos de aves mais bem estudados no mundo, principalmente devido a facilidade em capturá-los por não poderem voar. Contudo, as doenças que afetam esses animais são pouco pesquisadas, mesmo com sua importância como indicadores ambientais marinhos devido ao fato de passarem toda sua vida na água. Em seu doutorado pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ), o médico veterinário Ralph Vanstreels dedicou-se a estudar a malária aviária em pinguins-de-Magalhães ao longo de toda a costa brasileira sob orientação do professor José Luiz Catão-Dias.
De acordo com Vanstreels, muitas aves aos redor do mundo tem malária e convivem bem com isso. “A malária é muito mais comum em aves que em seres humanos, por exemplo”, explica. Todavia, eventualmente podem existir aves mais fragilizadas ou de espécies que, devido a sua localização geográfica, não evoluíram com a doença, reagindo de maneira mais negativa à presença do protozoário Plasmodium. Esse é o caso dos pinguins.
Vivendo em locais frios e com baixa presença de mosquitos — como a Antártida, ilhas oceânicas e regiões áridas ao sul da América do Sul, da África e da Austrália — os pinguins não possuem um sistema imune eficaz contra a malária, pois não têm contato com o parasita em seu habitat natural. Em decorrência disso, eles são muito mais sensíveis ao protozoário da doença do que as outras aves, vindo a óbito mais facilmente e em maior número em momentos de surto da malária aviária, principalmente nas espécies que vivem em cativeiro.
Migração sul-norte
Existem 18 espécies de pinguins, mas o pesquisador escolheu trabalhar apenas com os pinguins-de-Magalhães, que vivem no Chile, na Argentina e nas Ilhas Falkland. Durante o inverno, eles migram em direção ao norte do hemisfério sul, para o Uruguai e o Brasil, onde se alimentam e descansam em alto mar. Muitos desses pinguins adoecem, vindo parar na costa brasileira — desde o extremo sul do país até regiões mais ao norte, como Espírito Santo e Bahia — e sendo levados a centros de reabilitação de animais silvestres.
Vanstreels trabalhou principalmente com os pinguins que chegavam para reabilitação em centros no litoral brasileiro, desde o Rio Grande do Sul até o estado da Bahia. Visitou e trabalhou em parceria com esses centros colhendo amostras e estudando o desenrolar da recuperação dos animais para averiguar se eles desenvolviam a doença ou não, qual tipo de parasita possuíam em seu organismo e quais as suas lesões para tentar entender um pouco mais sobre a doença.
Coleta de amostras
Todos os animais que chegavam aos centros tinham uma amostra de sangue coletada. "A partir do momento da infecção, o pinguim leva de cinco a sete dias para apresentar o protozoário nos exames de sangue. Se coletamos uma amostra assim que ele chega e, por exemplo, já consta nos resultados a presença do hemoparasita, sabemos que ele foi infectado antes de chegar ao centro". Essas coletas são feitas durante toda a estadia do animal e também quando ele é solto — ou, caso venha a falecer, logo após o óbito.
Em nenhum dos casos houve evidências de que o pinguim chegou infectado aos centros de reabilitação. Vanstreels também colheu amostras de sangue em colônias no sul da Argentina e não encontrou qualquer exame positivo para malária. "Esses dois fatores sugerem fortemente que as infecções estão acontecendo no Brasil, quando os animais chegam à costa", relata. Também não encontrou nenhuma relação com o clima e a região onde os animais desenvolvem mais a doença, mas sim com o microambiente — propício ou não para os mosquitos — no qual o centro se encontra.
O estudo conseguiu descrever diversas novas espécies de protozoários do gênero Plasmodium as quais não se sabia que infectavam pinguins, identificando novas linhagens através de meios genéticos e morfológicos. A pesquisa também permitiu descobrir quatro novas espécies que poderiam infectar pinguins, somando-se às outras quatro previamente conhecidas. Além disso, determinou-se a sazonalidade das infecções, que são muito concentradas no período do verão. "Isso é muito importante do ponto de vista da prevenção e do tratamento", explica.
Segundo o médico veterinário, a mortalidade, mesmo com tratamento, é bastante alta. Um dos surtos documentados pelo pesquisador registrou uma mortalidade próxima a 50%. "Ficou claro que é preciso evoluir mais no tratamento medicamentoso e investir na prevenção. Pelo maior número de infecções acontecer durante a reabilitação dos animais encontrados na costa, os centros têm a responsabilidade de prevenir que outros pinguins venham a ter contato com os mosquitos, evitando a infecção", conclui.
Premiação
A pesquisa de Vanstreels, intitulada “Estudo da malária aviária e outros hemoparasitas em pinguins na costa atlântica da América do Sul”, foi premiada, no dia 25 de setembro, na 4ª edição do Prêmio Tese Destaque USP, na área de Ciências Agrárias. Também recebeu Menção Honrosa do Prêmio Capes de Tese 2015, na área de Medicina Veterinária.