Incluir a sociedade no debate sobre segurança alimentar é essencial para articulação de políticas públicas que tratem a alimentação como um direito. No entanto, um estudo realizado na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP ressaltou, que mesmo existindo espaços institucionalizados para esse debate, muitos grupos acabam não expondo suas percepções. Tal situação ocorre seja devido a um sentimento de exclusão ou pela dificuldade de compreender a importância do engajamento social nesse contexto.
Em sua tese “Dinâmicas Locais da Participação Social em Segurança Alimentar e Nutricional”, orientada pela professora Cláudia Maria Bógus, a pesquisadora Flávia Negri discute as experiências da implantação desses programas em Registro, município do Estado de São Paulo.
Em 2012, formou-se o Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (COMSEA) de Registro. É importante existir esse espaço institucionalizado, com respaldo do poder público para aproximar e possibilitar as ações, menciona Flávia. Porém, ele está em processo de amadurecimento. A sociedade precisa vê-lo como um ambiente de debate e deliberação. Assim, é necessária a construção de uma equipe coesa que pense em ações coletivas. “Existe um grupo, mas ele não tem identidade”, afirma.
A tese partiu do diagnóstico de segurança alimentar realizado, em 27 municípios paulistas, pela Rede de Defesa e Promoção da Alimentação Saudável, Adequada e Solidária (Rede Sans). A instituição reúne diversos segmentos da sociedade como: donas de casa, nutricionistas, professores e educadores que, em parceria com o poder público, promovem ações de defesa ao direito à alimentação. Registro obteve um resultado positivo na pesquisa.
A área está localizada no Vale do Ribeira que, além de abrigar a maior extensão contínua da Mata Atlântica, possui uma expressiva riqueza cultural, social e econômica. A região tem uma grande quantidade de tribos indígenas, comunidades remanescentes quilombolas, populações ribeirinhas e agricultores familiares, aponta Flávia.
O diálogo com os indígenas
No caso dos indígenas, um dos elementos inviabilizadores de sua participação é a distância local. As aldeias, em geral, não possuem energia elétrica e as estradas são de difícil acesso. Outra dificuldade relatada são os aspectos culturais, muitos ainda só compreendem a sua língua nativa e não são familiarizados com arranjos burocráticos das reuniões. A nutricionista notou que esses grupos acabavam não colocando suas opiniões em debate. “O mais importante é entender a alimentação como um direito, acho que essa percepção ainda não é igual para todo mundo”, ressalta a pesquisadora.
Para ela a comunidade indígena tem maior dificuldade em se aproximar das discussões, pois sua realidade traz perspectivas diferentes sobre o mesmo assunto. A plantação, por exemplo, para eles tem uma vertente ancestral. Além disso, muitas vezes, esbarra em questões ambientais, já que algumas unidades de preservação não podem sofrer alteração humana. Conciliar esses diferentes interesses é uma das tarefas mais difíceis desses espaços participativos.
Castanha -do- Pará. Crédito: Getty Imagens
A Segurança Alimentar na vida cotidiana
O tema “Segurança Alimentar” é permeado por diversas questões sociais, econômicas e culturais que frequentemente não são compreendidas pelos indivíduos. De acordo, com a pesquisadora, o cotidiano está repleto de ações associadas a essa temática.
A relação cultural com a alimentação é um dos exemplos. Em alguns estados brasileiros há a valorização da produção de mantimentos típicos de cada região. Aspectos religiosos também são considerados. Muitos indígenas utilizam os alimentos para rituais, assim como os católicos que na sexta-feira santa consomem peixe ao invés de carne vermelha. Apesar de não ser tão visível, a cultura está intimamente ligada à segurança alimentar.
As dinâmicas das organizações
Durante a pesquisa foram entrevistados grupos envolvidas com dinâmicas participativas. Eles relataram que há uma deficiência de qualificação política nessas organizações, ressalta Flávia. O entendimento do que é uma política pública e como ela se executa não é compreendido por todos. Além disso, as lideranças não são muito consolidadas. Em época de eleições, esses representantes se afastam e a articulação das ações, em geral, é paralisada.
A pesquisadora observou diversas particularidades nas instituições. Na rede da sociedade civil, há uma facilidade maior de relação com as entidades do terceiro setor, devido à burocratização para se realizar parcerias com os governos federais ou municipais. As organizações governamentais acabam se relacionando mais entre si, já que compartilham da mesma infraestrutura pública.
Um dos principais problemas de se promover o debate em relação à segurança alimentar é a resistência da população em participar das discussões. A excessiva carga horária de trabalho, muitas vezes, distancia a sociedade dos assuntos que envolvem a sua vida social e coletiva. Segundo a nutricionista, a existência de espaços institucionalizados, amparados pelo poder público, é importante, entretanto é essencial que os governos também saibam dialogar com a sociedade civil.
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