Um recente artigo publicado na revista Peer Journal revela a divisão filogenética das amebas mais velhas do mundo. Esse estudo, realizado pelo professor Daniel Lahr, do Instituto de Biociências da USP (IB), com a colaboração do MIT (Massachusetts Institute of Technology), é uma porta de entrada para compreender a evolução dos eucariontes – seres com células nucleadas – além de entender o desenvolvimento dos primeiros seres terrestres.
De acordo com o professor, criar uma árvore filogenética significa reconstruir a relação entre os organismos. E foi a partir da construção dessa árvore que Daniel pôde ver um padrão peculiar entre as amebas: os seres, que se encontravam em diferentes grupos e subgrupos, biomineralizavam sílica – isto é, absorviam o silício dissolvido no ambiente – recrutando-a e mineralizando-a em escala celular. A biomineralização da sílica muitas vezes era utilizada para produzir um tipo de casca de proteção para as amebas.
O curioso do estudo, porém, é que apenas alguns grupos realizavam essa atividade celular. “Dentro do supergrupo das amebas, grupos menores e muito diferentes apresentam espécies que biomineralizam a sílica. Ou seja, isso não é monofilético”, aponta Daniel.
Com isso, foi possível concluir que essa característica não é ancestral aos seres eucariontes. “Ela surgiu independentemente em alguns seres. Esse tipo de característica, que surge múltiplas vezes em um grupo tão diversificado, nos indica que tem algo mais interessante”, explica o biólogo. “Talvez naquele momento os seres realizassem esse processo químico por alguma necessidade”.
Após estudar diferentes espécies de amebas, foi possível identificar que um subgrupo presente no grupo dos arcelinídeos (grupo de amebas) predava amebas de outro grupo, o dos oglifídeos, e incorporava a sílica do predado em sua própria casca. Após a ingestão da presa, a ameba destacava as escamas de sílica, e em um processo de “reutilização”, incorporava-a em sua própria casca, aumentando-a.
Para Daniel, o mais interessante era a capacidade de não somente utilizar a casca de sua presa, mas de modificá-la. A partir disso, também foi possível deduzir que uma das possíveis teorias é que o predador adquiriu essa capacidade através da transferência lateral de genes, um processo em que um organismo transfere material genético para outra célula que não é sua descendente. “Alimentando-se de amebas que biomineralizam sílica, eles passaram a biomineralizar sílica também”, afirma.
Origem da biomineralização
São muitos os grupos e subgrupos de amebas. Presentes desde os primórdios do planeta, muitas foram extintas e acredita-se que a diferenciação entre elas ocorreu há mais ou menos 1,5 bilhões de anos.
Há cerca de 800 milhões de anos, ocorreu o grande evento de oxidação atmosférica terrestre, aumentando sua pressão atmosférica. A grande abundância em oxigênio fez com que as linhagens de amebas que precisavam de uma pressão menor se extinguissem, e aquelas que precisavam de um pouco mais de oxigênio começassem se diversificar. Foi nessa diversificação que algumas amebas começaram a biomineralizar sílica.
“Ainda não se sabe em que momento as amebas começaram a realizar esse processo. Mas uma das hipóteses é que se iniciou no período carbonífero, mais ou menos há 360 milhões de anos”, explica Daniel.
O período carbonífero é muito conhecido por ter sido o momento em que as plantas conquistaram o ambiente terrestre, realizando a captação de carbono. Ou seja, o processo de captação de carbono anda concomitantemente à biomineralização de sílica, pois as plantas também absorviam esse material.
O motiva das plantas e das amebas biomineralizarem sílica ainda é desconhecido. “Talvez seja barato quimicamente mineralizar a sílica. E talvez esse processo seja ainda mais interessante em ambientes florestais”, conclui.
A conquista da terra
A conquista da terra realizada pelas plantas também foi acompanhada pela das amebas. Uma importante hipótese que explica sua conquista terrestre é de que as amebas, que possuem pseudópodes, poderiam ter conquistado o ambiente terrestre por serem capazes de tracionar seu corpo, podendo se descolar na superfície entre a água e a lama, por exemplo.
Com isso, o estudo é a porta de entrada para o aprofundamento das pesquisas que podem explicar a origem dos primeiros seres terrestres e em qual momento a conquista deste ambiente foi realizada.