ISSN 2359-5191

26/10/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 101 - Saúde - Departamento de Fonoaudiologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional
Trabalhadores de Enfermagem do HU sofrem com afastamentos e tem dificuldade em retornar as atividades
Estudo mostra como aspectos relacionais, condições e organização do trabalho influem nestas dificuldades dos enfermeiros
Enfermeiros sofrem com condições de trabalho fonte: Reprodução

Grande parte dos estudos científicos realizados em ambiente hospitalar, não aborda a complexidade do trabalho desenvolvido nestas instituições. A maioria deles, têm como foco a assistência à saúde e a segurança dos pacientes. Entretanto, dependendo da forma que o trabalho é organizado, dimensionado e distribuído, ele pode interferir tanto na qualidade dos atendimentos quanto na saúde dos trabalhadores. O número de adoecimentos e afastamentos de trabalho está crescendo no Brasil, gerando uma preocupação em descobrir o porque deste crescimento, como funciona o retorno destes trabalhadores e como as condições e a organização do trabalho influenciam nestas situações. Dessa forma, compreender a complexidade deste processo é tema da pesquisa “Influência de Fatores Organizacionais e Relacionais nos Processos de Retorno e Permanência no Trabalho: um estudo de caso”, realizada pelo Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, da Faculdade de Medicina da USP.

A pesquisa, que começou em 2012 e tem data de conclusão prevista para dezembro de 2015, destacou os profissionais de enfermagem, por ser uma das categorias com maior número de afastamentos, além de apresentarem dificuldades no retorno e permanência no trabalho. Em parceria com o Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT) da USP e com o Hospital Universitário, o objetivo era conhecer fatores organizacionais e relacionais, em uma situação específica de trabalho, que poderiam gerar adoecimentos e exclusões do trabalho, e ainda interferir nos processos de retorno e permanência. Para o desenvolvimento da pesquisa, foram realizadas algumas etapas para reunir dados relevantes, como explica a professora Selma Lancman, coordenadora do projeto: “Fizemos primeiro um estudo quantitativo, em parceria com o DRH (Departamento de Recursos Humanos) do HU e com o Sesmt da USP, para identificar setores com maior número de afastamentos e trabalhadores com algum tipo de limitação para o desenvolvimento de determinadas atividades de trabalho”.

Após o conhecimento destes fatores, a equipe de pesquisa aplicou “um questionário com todos os trabalhadores que tinham se afastado por um período longo de tempo e então fizemos uma entrevista com os pares de trabalho deste sujeito. E num quarto momento se chegou nas chefias de enfermagem, que participaram de um grupo de reflexão. Após este grupo foi eleito um setor para a realização de uma analise ergonômica do trabalho”, conclui professora Selma.

Ao longo destas etapas, os integrantes do projeto perceberam que o processo de afastamento é muito mais complexo do que as analises que se faz no Hospital Universitário. Uma destas questões refere-se aos motivos dos afastamentos, como comenta uma das integrantes da equipe de pesquisa, Tatiana Jardim: “Ele já pode ter tido vários afastamentos, pode estar neste ciclo de afastamentos que ainda é reconhecido como sendo oriundo de uma doença comum, mas que já é decorrente do trabalho”.Outra questão é o momento do retorno dos enfermeiros que haviam adoecido e o acolhimento de seus colegas de trabalho. Esta recepção pode se tornar um problema quando o afastado volta com algumas restrições, como não poder carregar peso, fazendo com que os seus colegas fiquem sobrecarregados. “Há a dificuldade das pessoas que voltam em permanecerem. Percebemos que quem volta com uma restrição sobrecarrega um colega e evidentemente que o colega nem sempre é receptivo a esta pessoa”, explica professora Selma. Outro problema verificado neste acolhimento tem relação com a causa do afastamento, podendo ser ocasionado por uma doença física, mental ou um acidente de trabalho. Numa doença mental, a equipe muitas vezes não tem uma boa recepção do afastado por seu sofrimento não ser perceptível. Juliana Barros, integrante da equipe de pesquisa, fala que quando se trata de uma doença de caráter físico “a sensibilização é muito mais evidente, já que é algo mais facilmente reconhecido. Já às doenças mentais, que são menos familiares para a equipe, carregam forte estigma. Nesses casos, consideram, por vezes, que a pessoa está simulando, que é falta de vontade”.

Em relação às restrições de trabalho, como nem sempre os médicos do trabalho conhecem o contexto laboral, muitas delas não se adequam nem à condição de saúde do sujeito, nem à sua atividade de trabalho. A professora Selma comenta que uma “restrição é feita por um médico que nem sempre conhece o trabalho daquela pessoa que está examinando. Então ele indica restrições impossíveis de serem cumpridas, como a indicação do carregamento de peso zero”. Além disso, a coordenadora comenta que a “ideia de restrições é muito brasileira”, ou seja, trabalhamos mais com o que o funcionário que está retornando não pode fazer do que com o que ele pode, quando deveria ser ao contrário.

Medidas para minimizar estas dificuldades poderiam ser tomadas se houvesse um profissional especializado em realizar a mediação entre o Sesmt, as chefias, funcionários em processo de retorno e aqueles que continuam atuando. Atualmente é imprescindível “ter um profissional que acompanha, intermedia e ajuda neste processo de quando ele retorna”, afirma professora Selma.

A presença deste profissional já é meio caminho andado para evitar que estes funcionários continuem num ciclo de afastamentos e para que as organizações dos hospitais consigam prever e programar estas situações. Mas também é preciso mudar algumas visões equivocadas em relação ao funcionário e seu trabalho, dando mais atenção as condições as quais o indivíduo está exposto em vez de culpabilizá-lo. “As pessoas geralmente tem uma tendência de culpabilizar o trabalhador. Temos que chamar a atenção para os contextos nos quais são desenvolvidos o trabalho e para inter-relações decorrentes dele”, conclui Juliana.

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