O que é a consciência? É possível que ela atue sobre a matéria à distância? Partindo destas indagações, Gabriel Guerrer, pós-doutorando do Instituto de Psicologia (IP) da USP, deu início à pesquisa “Uma investigação empírica do papel da Consciência na construção da Realidade”. O projeto pretende averiguar, de forma ontológica, se a mente pode exercer ação causal no mundo – sendo assim entendida como algo fundamental – ou se devemos explicá-la através de uma visão materialista.
A pesquisa tem apoio do Laboratório de Psicologia Anomalística e Processos Psicossociais (Interpsi), coordenado pelo professor Wellington Zangari, e conta com parceria do Instituto de Física (IF) da USP, onde Guerrer utiliza-se de um laboratório para realizar os testes experimentais. No local, será montado um sistema composto por um raio laser que atravessará uma fenda dupla gerando um padrão de interferência que será registrado por uma câmera sensível a oscilações.
A mesa que dá suporte ao sistema será isolada e blindada, de forma que nenhuma troca de informação usual aconteça – transmissão por vibração, ondas eletromagnéticas, campo elétrico, entre outras pertubações. A ideia é separar o experimento em duas situações – em um primeiro momento, meditadores experientes serão convidados a participar: de início eles estarão relaxados, não empreendendo nenhum tipo de esforço para mudar os efeitos do teste. Posteriormente, os participantes irão focar sua atenção no experimento e tentar, através da força de sua mente, intervir no padrão de interferência criado pelo laser.
O raio laser atravessará uma fenda dupla, criando um padrão de interferência registrado pela câmera sensível a oscilações. Caso os participantes consigam intervir no resultado final, será possível afirmar que isso ocorreu por vias não usuais. Imagem extraída do vídeo “Projeto Interações Mente-Matéria”.
Na situação seguinte, participantes não-meditadores participarão da experiência; eles passaram pelas mesmas etapas que o grupo de meditadores. Os resultados de ambas as situações serão comparados e, segundo Guerrer, partindo da percepção científica atual, espera-se que eles sejam exatamente iguais. A explicação para isso é que da forma como são vistas no presente, a mente e a consciência são produtos do cérebro de cada pessoa, e podem, no máximo, influenciar o seu próprio corpo.
No entanto, segundo estudos realizados pelo professor Dean Radin, do Institute of Noetic Sciences (IONS), nos Estados Unidos, os resultados diferem de uma situação para outra. Radin pesquisa um fenômeno conhecido como micro psicocinese, que é a matéria à distância sendo influenciada pela mente. De acordo com seus experimentos, o grupo de meditadores conseguiu alterar o padrão de interferência criado pelo raio laser. Para Guerrer, isso acontece pois essas pessoas têm a mente funcionando de forma diferente, dado que elas estão continuamente exercitando-a.
O propósito de Guerrer é tentar reproduzir o fenômeno alcançado pelo professor Radin e entender como ele funciona. “Se este acontecimento for replicável, e passível de ser criado em diferentes lugares, nossa visão científica precisará ser revista”, afirma. Ele acredita que se for comprovado que a mente tem a capacidade de modificar o mundo ao seu redor, as pessoas precisarão perceber que a natureza da realidade é outra. O mundo não se limitaria ao que imaginamos de uma máquina formada por componentes materiais.
“Ao que tudo aponta, se os resultados forem corretos, a realidade está sendo mal interpretada há pelo menos 300 anos pela ciência. Neste ponto, é necessário que passemos a olhar para a consciência como algo fundamental”, diz Guerrer. O pesquisador propõe que, em caso de um desfecho positivo, a mente passe a ser entendida como um campo de informação. Desta forma, não seria o cérebro altamente complexo que geraria a consciência, mas o cérebro que, de certa forma, capturaria as informações dela advindas.
Atualmente, a explicação mais usada por cientistas de todo o mundo é falar da consciência como um fruto da matéria. Contudo, valendo-se do argumento de que esta relação é de extrema complexidade, não apresentam modelos ou boas teorias a respeito. A possibilidade trazida por Guerrer implica em entender que ambos os campos são fundamentais e que existem pontos de interação entre eles que não podem, porém, ser traduzidos um no outro.
Video "Projeto Interações Mente-Matéria"
Guerrer frisa que sua pesquisa não tem o intuito de questionar a ciência. Pelo contrário, ele irá valer-se dela para investigar um problema até então debatido apenas no campo da filosofia. Sua intenção é discutir a premissa metafísica da ciência: o materialismo – segundo o qual tudo o que existe pode ser reduzido a matéria.
Casos e relatos
Não são raras as histórias de pessoas que realizaram feitos considerados por muitos impossíveis ou resultados de paranormalidades. De acordo com Guerrer, tais narrações existem em quase todas as culturas, apenas sofrendo variações para se adaptar a elas. O livro mais antigo do Yoga, o Yoga Sutra de Patanjali, possui um capítulo que reúne uma série de informações sobre os sidis – práticas como a telepatia e a telecinese –, uma sucessão de comportamentos possíveis de serem executados por iogues que estão se desenvolvendo e evoluindo de forma correta.
No ocidente, são comuns os casos envolvendo os santos da igreja católica. Datam do século 17 histórias sobre São José de Cupertino: as descrições contam que ele levitava sobre multidões quando estava em estado de graça. São também habituais os relatos de pessoas que, em dado momento de suas vidas, pararam de se alimentar – um fenômeno chamado inédia que, como os demais, não faz o menor sentido para a visão materialista. Afinal, se uma pessoa para de ingerir alimentos de onde vem a energia que a mantém?
Para Gabriel Guerrer, estas situações fazem sentido apenas se a realidade passar a ser encarada de outra maneira. O pesquisador aponta que os indícios da parapsicologia mostram que há uma série de coisas acontecendo no cérebro humano ainda não entendidas pela ciência – formas de trocar informação que nós não conhecemos e não podemos ver.
A pesquisa é inédita em território nacional e está em sua fase inicial. Por hora, Guerrer está desenvolvendo o hardware e o software necessários para a parte prática do projeto. Há também uma campanha online de financiamento, que pretende arrecadar recursos para que o trabalho possa prosseguir.