ISSN 2359-5191

28/10/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 102 - Meio Ambiente - Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia
Poluição química dos mares pode ajudar na disseminação de fibropapilomatose em tartarugas verdes
Doença neoplásica, a fibropapilomatose acomete mais de 30% da população de tartarugas verdes nas águas mais quentes da costa brasileira
Tartaruga verde com tumor bastante desenvolvido embaixo de seu pescoço (Imagem: Fabiola Prioste)

Tartarugas verdes existem ao redor de todo o mundo, sendo as de maior número entre todas as espécies de tartarugas marinhas. Elas também são as mais afetadas pela fibropapilomatose, doença neoplásica que se manifesta com o crescimento de tumores cutâneos, variando de coloração branca, rósea ou acinzentada, de aspecto verrucoso ou plano na pele e surgindo como fibromas nas vísceras. Dentre os diversos fatores os quais podem ajudar no desenvolvimento da doença, as questões ambientais  como a qualidade da água onde as tartarugas vivem  são de extrema importância, servindo como objeto de estudo para o doutorado da médica veterinária Fabiola Prioste pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ)

A fibropapilomatose é uma doença causada por diversos fatores, que acomete um grande número de tartarugas e acontece principalmente em águas quentes. Na costa brasileira, sua prevalência varia de 0,04% no Rio Grande do Sul a 32,59% no Ceará. Segundo Fabiola, esses tumores são capazes de matar as tartarugas tanto direta quanto indiretamente. “Os tumores viscerais interferem na função do órgão afetado, enquanto os tumores cutâneos podem se desenvolver em áreas vitais, como pálpebras ou nadadeiras, crescendo ao ponto de impedir que o animal possa enxergar ou se locomover, vindo à óbito”, explica.

A incidência da neoplasia se dá principalmente na fase juvenil, quando a dieta da tartaruga passa de onívora para estritamente vegetariana. Em alguns casos, ela parece ser uma doença auto-limitante, na qual alguns animais apresentam a regressão dos tumores na pele, ficando apenas com uma cicatriz na região. Já outras tartarugas verdes não conseguem ter esse retrocesso do quadro. Alguns desses tumores podem, inclusive, ulcerar, tornando-se feridas abertas nas quais se concentram sanguessugas. Muitos deles podem ser retirados  nem sempre todos de uma vez  desde que o procedimento seja feito em um centro veterinário.

De acordo com a pesquisadora, sabe-se que há um herpesvírus envolvido no desenvolvimento da doença, mas fatores ambientais e genéticos também parecem desempenhar um papel importante. “Existem três suposições a respeito do aumento da prevalência da doença em âmbito mundial”, explica. Uma delas é que as áreas com maior densidade agrícola e urbana tendem a conter um maior número de animais apresentando os tumores. Por esse motivo, ela estuda se a poluição marinha causada por elementos químicos inorgânicos está envolvida na disseminação da fibropapilomatose e quais deles possivelmente estão relacionados com o desenvolvimento da neoplasia. Além disso, pesquisa como está a saúde do mar nas áreas onde as tartarugas verdes estão se alimentando.

Pesquisa de campo
Em parceria com o Projeto Tamar, a pesquisa de Fabiola teve início em 2012. A primeira viagem foi a Fernando de Noronha, onde não há casos da doença. Apesar das águas quentes, não há indústrias ou esgotos na ilha, considerada uma área limpa. Por isso, ela acredita que os dados obtidos lá serão basais e Fernando de Noronha servirá como uma área de controle. Além disso, é um local de oviposição dos animais. Ela explica que, no Brasil, as tartarugas fêmeas adultas só põem seus ovos em ilhas oceânicas. “Nossa intenção era coletar o sangue dessas fêmeas, além de medir o comprimento de seu casco”, completa.

Fabiola também colhe o sangue de tartarugas que apresentam fibropapilomas, mas dessa vez em Almofala (CE), Vitória (ES) e Ubatuba (SP), locais onde o Projeto Tamar possui uma base. Quando as tartarugas são encontradas mortas, a médica veterinária coleta órgãos e tecidos, como fígado, rins, baço, musculatura e ossos. Também retira para análise o conteúdo estomacal desses animais e vai aos locais onde se alimentam para colher as algas que eles comem. Para constatar se realmente há relação entre a alimentação e o aparecimentos dos tumores, dosam-se e identificam-se os elementos químicos presentes no sangue, órgãos, ossos, tecidos, conteúdo estomacal e algas colhidas.

Estudo de amostras
“Além de seguir rigorosos critérios de coleta e armazenamento de material, fazemos nossas análises em um laboratório da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) de Ribeirão Preto”. A pesquisadora explica que é utilizado um aparelho de ICP-MS, máquina que classifica quais elementos químicos estão presentes no tecido do animal e qual a sua quantidade, obtendo resultados na ordem de partes por bilhão ou ate partes por trilhão. Com os resultados obtidos das análises químicas, correlaciona os índices encontrados com a presença ou não de fibropapilomas.

A pesquisa contabilizou, até junho deste ano, 220 amostras de sangue e 521 amostras de tecidos. Todavia, apenas os resultados de 31 animais vivos  provenientes de Fernando de Noronha e, portanto, saudáveis  já foram entregues e analisados. Os elementos selênio (Se), zinco (Zn), chumbo (Pb) e césio (Cs), alguns tóxicos para vertebrados, apresentaram uma quantidade significativa quando testados em relação ao comprimento do casco das tartarugas. Essa amostragem mostra que, conforme as tartarugas verdes crescem, o índice desses elementos não se encontra estável durante o desenvolvimento do animal. “A intenção é de que estes dados de Fernando de Noronha possam servir como um parâmetro basal para os próximos resultados”, ressalta.

Sobre o doutorado
A primeira parte finalizada do trabalho de Fabiola foi apresentada em abril deste ano em um Congresso Internacional de Tartarugas Marinhas, na Turquia. Além disso, esses resultados iniciais foram aceitos em uma revista científica e devem ser publicados até o final deste ano. “O meu doutorado é inédito e essa primeira publicação servirá de base para outras pesquisas que estão sendo conduzidas, tanto no nosso país quanto for a dele”, revela.

A tese de doutorado está sendo orientada pela professora Eliana Matushima, a qual possui uma linha de pesquisa com tartarugas verdes desde a década de 80. De suas pesquisas e dos pós-graduandos que orienta, surgiu o Grupo de Pesquisa em Fibropaplomatose em Tartarugas Marinhas, do qual se deriva o estudo de Fabiola. “A intenção de todo esse trabalho realizado pelo grupo é que, ao final, tenha-se um estudo bem completo sobre a fibropapilomatose nessas populações de tartarugas e sobre como há uma interação do meio ambiente para o desenvolvimento da doença”, conclui. Além Fabiola e Eliana, o grupo é integrado pelos pesquisadores de pós-graduação Silmara Rossi e Marco Aurélio Gattamorta e pelas alunas de iniciação científica Luisa Carvalho e Marina Molinas Alcala.

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