O esforço pela sobrevivência de uma empresa pode cegar seus próprios gestores. Nem sempre é nítido quais decisões contribuíram para a derrubada de um negócio. A dificuldade em se resgatar um empreendimento da trajetória de declínio pode ser ainda maior, caso sua natureza de captação financeira não seja identificada. A constatação é de um estudo desenvolvido na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, que verificou a relação entre o tipo de geração de renda e o turnaround de uma empresa.
Termo em inglês popularizado nas décadas de 1970 e 1980 no ambiente de negócios nos Estados Unidos, o turnaround se refere ao “dar a volta por cima”. Corresponde ao momento em que uma administração consegue tirar a firma de um contexto de declínio ou estagnação e levá-la ao êxito. Esse processo se dá pela chamada “quebra da inércia”. Muitos autores argumentam que uma empresa em declínio se encontra nessa rota em razão do viés cognitivo de seus gestores. No momento de tensão, estes não conseguem enxergar como os negócios chegaram àquela situação, ou quais foram as decisões erradas e quais deverão ser as corretas.
Segundo Fernando Kolya, autor da dissertação de mestrado, apesar de difícil mensuração, identificar a forma com que uma empresa obtém lucros é o primeiro passo para esse processo de recuperação. “Existem dois tipos de geração de renda”, explica o pesquisador, “há as empresas que competem por eficiência e as que competem por inovação”. São conhecidos por renda ricardiana e renda schumpeteriana, respectivamente. Possuem negócios de geração de renda ricardiana aquelas firmas detentoras de recursos que promovem maior eficiência e um custo-médio mais baixo que o restante do mercado. O nome advém de David Ricardo, quem exerceu grande influência sobre os economistas ao elaborar sua teoria, segundo a qual um pedaço de terra fértil pode gerar uma produção agrícola superior a um custo inferior. “A evolução do conceito”, conta Kolya, “levou à conclusão de que se uma empresa tiver um recurso valioso, raro e difícil de imitar, como é o caso da terra fértil, e seus administradores estiverem preparados para extrair valor desse recurso, então haverá uma fonte de vantagem competitiva sustentável”. Trocando por miúdos: será muito difícil desbancar essa empresa no mercado.
Já a renda schumpeteriana, termo que remete ao economista austríaco Joseph Schumpeter, refere-se ao investimento em pesquisa, inovação e marketing, por exemplo, ou outros tipos de rendas disruptivas (isto é, provindas de produtos ou serviços que ajudam a formar um novo mercado, tornando obsoletos os antigos líderes desse segmento), que gerarão valor e diferenciação ao longo do tempo. Se uma empresa que compete com renda ricardiana, ou seja, por eficiência, tentar se recuperar utilizando uma estratégia de corte de ativos, acabará por afetar diretamente sua forma de ganhar dinheiro. Afinal, sua maior eficiência no mercado provém da posse de seus ativos. Da mesma forma, se uma empresa que compete por inovação cortar gastos com pesquisa e desenvolvimento, minará sua maior qualidade e seu poder de reação.
“Depois de identificar sua natureza de geração de renda”, comenta Kolya, “o próximo passo é substituir a gestão. Uma parte dos principais gestores terá de sair e será necessário trazer pessoas de fora da organização, que não possuam esse viés cognitivo”. Tudo isso envolve aproximar ao conselho administrativo da empresa profissionais externos, para que novas ideias se conectem e novas redes de conhecimento se formem. “É um capital social que estava inacessível pela empresa”, assinala o pesquisador.
Consecutivamente, será preciso executar a estratégia de liquidar ativos ou cortar custos, dependendo do que se concluiu a respeito da geração de renda. É a fase também chamada de retrenchment (cerceamento, no português, isto é, “impor limites”), já que se refere a fazer um caixa inicial e obter capital para ser utilizado em algumas estratégias iniciais da recuperação. Essa fase é moderada pela natureza de geração de renda, mas também se deve dar atenção especial a outro fator: a intensidade do declínio. “Obviamente, se a queda for muito brusca, a empresa terá de cortar também fontes de renda que são essenciais para a sua estratégia”, lembra Kolya.
Auferindo resultados positivos, entra-se na fase da recuperação. Nessa etapa final, as estratégias se dão em função da posição competitiva ocupada pela empresa no ambiente de negócios, podendo ser forte ou fraca, e tendo em vista as causas seu declínio. Pode ser que os negócios tenham definhado pela contração na economia ou por um conjunto de ações equivocadas, por exemplo. Chega a hora de voltar a investir, focando em recursos e ativos ou em pesquisa e inovação.
Indagado sobre a crise na USP, Fernando Koyla diz que o mais sensato seria poupar os gastos com pesquisa, inovação e desenvolvimento, e fazer um corte brusco em ativos e custos, vendendo imóveis, instalações. “Se a universidade restringir e se desfizer de ativos, vendendo prédios e imóveis, tudo bem. Mas se houver corte de custos, com pesquisa e pessoal, irá contra sua própria estratégia. Isso não seria aceitável”, pondera. Por mais que a USP não seja uma empresa, a lógica ainda é válida, já que compete no mercado global de pesquisa e inovação. E como não pode controlar seu caixa, já que sua arrecadação é feita com base em uma alíquota fixa de repasse do ICMS, ideias sobre parcerias com empresas privadas continuam rondando. “É uma saída”, opina o pesquisador.