São Paulo (AUN - USP) - Não foram apenas as marcas culturais que os imigrantes europeus deixaram na população brasileira: esta herdou, também, rastros genéticos que determinam, hoje, o desenvolvimento de patologias, tal como a doença celíaca (DC)- uma inflamação no intestino delgado. Recente pesquisa do professor Aytan Miranda Sipahi, da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), revela que 35% da população brasileira sofre da enfermidade - número que se aproxima muito da realidade européia.
Em seminário sobre a doença celíaca no Brasil, ocorrido recentemente na FMUSP, o médico apresentou dados inéditos, resultantes de estudo feito em hemocentros de diversas cidades brasileiras. A partir da utilização de marcadores sorológicos de alta sensibilidade e especificidade, o médico pôde realizar um estudo populacional amplo e chegou à conclusão de que a enfermidade encontrava - se, até então, subdiagnosticada no país. Em São Paulo, por exemplo, há um indivíduo que sofre de doença celíaca a cada 286 pessoas.
O índice elevado de celíacos no país não é uma coincidência. A pesquisa do professor relaciona diretamente a moléstia à ascendência dos enfermos. As regiões do Brasil que receberam um maior fluxo de imigrantes europeus caucasianos são as mais afetadas pela doença. Além disto, entre os diagnosticados como celíacos, encontra - se um percentual alto de pessoas que tem pais, avós ou bisavós europeus. Em São Paulo, este número é de 64%. Em Curitiba, chega a 100%.
A doença celíaca é uma inflamação do intestino delgado, que prejudica a absorção de nutrientes, fluidos e eletrólitos. Alguns pacientes apresentam sintomas como fraqueza, diarréia e perda de peso. Outros são assintomáticos, o que significa que muitas pessoas têm a doença e não sabem. O grande problema é que a DC esta muitas vezes associada a outras patologias, como diabetes tipo 1 e artrite reumatóide. Além disto, os celíacos têm muito mais chance de desenvolver câncer no intestino.
A enfermidade é desencadeada quando dois fatores são conjugados - a ingestão de glúten e a predisposição genética do indivíduo. A maior prevalência relatada esta no oeste da Europa, onde a DC é a doença genética mais comum. Foi a não existência de pesquisas acuradas no Brasil que levou o professor Sipahi a realizar seu estudo.
Nas palavras do médico, “o trabalho pode parecer simples, mas tem relevância social”. Segundo ele, quando alguma enfermidade atinge uma parcela tão significativa da população, como é o caso da doença celíaca, o governo deve tomar providencias. O médico defende que o Ministério da Saúde autorize a realização gratuita do exame para diagnosticar a doença e tome atitudes no sentido de tratar a DC como uma questão de saúde publica.
Em países como a Itália, onde uma em cada 250 pessoas é celíaca - estimativa bem próxima da brasileira - os doentes dotam de especial atenção do governo e a regulamentação de alimentos que contem glúten é bem rígida.