Este ano, o Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza vira mais uma página em sua história. São 90 anos prestando assistência médica à população de São Paulo. Para comemorar esta data especial, a Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP recebeu, entre os dias 26 e 27 de novembro, o "1ª Simpósio Internacional Educação e Redes de Atenção à Saúde: Interfaces, Conquistas e Desafios". Segundo o professor e diretor do Centro, Paulo Gallo, a universidade possui uma grande responsabilidade na formação de recursos humanos para a saúde, já que praticamente um terço dos seus cursos é vinculado a essa área. Assim, a experiência prática do aluno é essencial para sua formação e aprendizado.
O evento contou com a presença do professor e reitor da USP, Marco Antonio Zago. Segundo ele, hoje, o perfil de doença (morbidade) e mortalidade da população mudou. Dessa forma, é necessário formular práticas de saúde diferentes, que estejam adequadas com as necessidades da população. Ele menciona que uma das funções da Faculdade de Saúde Pública é discutir modelos e propor soluções nessa área. “Esperamos que os próximos 90 anos do Centro Escola sejam apontados para a interação da universidade com a sociedade", ressalta Zago.
O diretor da FSP, Victor Wünsch Filho, discutiu um pouco sobre os desafios de renovação do Centro. De acordo com ele, a incorporação de inovação não se dá apenas no campo tecnológico. Procedimentos operacionais que racionalizem o atendimento dos pacientes, com intuito de melhorar o seu bem-estar, também são considerados mudanças positivas. O evento ainda teve a presença do coordenador de saúde da região oeste do município de São Paulo, Alexandre Nemes Filho.
Os percursos históricos
Durante seus 90 anos, a instituição foi aos poucos consolidando sua história. Os aspectos relacionados as suas origens foi discutido pelo professor Arnaldo Franco Siqueira. Segundo ele, o Centro Escola surgiu, em 1925, e com ele nasceu simultaneamente o Instituto de Higiene (Futura Faculdade de Saúde Pública), que se desvinculou da Faculdade de Medicina. O idealizador dessa proposta foi o médico sanitarista Geraldo de Paula Souza. Em 1918, ele, junto com o professor Francisco Borges Vieira, foi estudar na universidade de Johns Hopkins, em Baltimore, Estados Unidos.
Essa universidade tinha como meta construir diferentes redes de saúde pública pelo mundo. Após a experiência com as propostas americanas, Paula Souza voltou ao Brasil e fundou o primeiro Centro de Saúde da América do Sul. O objetivo da instituição era promover ações permanentes de educação sanitária e de métodos para prevenção de doenças. De acordo com o professor Siqueira, uma das questões apontadas, na época, era que a formação dos médicos voltava- se para as pessoas que já estavam doentes. Assim, não havia uma preocupação prévia em evitar os quadros mórbidos.
Em 1938, o Centro de Saúde, além da parte assistencial, passou a abranger também o ensino e a pesquisa. Dessa forma, se tornou um espaço de formação e treinamento dos estudantes, oferecendo conhecimento prático aos alunos dos diferentes cursos. Sua função era realizar a triagem dos pacientes, encaminhando alguns para Santa Casa ou para os médicos do Instituto de Higiene.
Prestando esta atenção primária, a instituição atendia pacientes com doenças venéreas como sífilis, assim como aqueles que necessitavam de higiene pré-natal ou higiene escolar. Além disso, as mães que eram usuárias da unidade também recebiam, por meio das educadoras sanitárias, orientações sobre alimentação. Hoje, o Centro de Saúde tem sobre sua responsabilidade 110 mil moradores do município de São Paulo, menciona o diretor.
Foto: Adilson M. Godoy.
Uma trajetória de desafios
Segundo o professor Gallo, há uma dúvida emblemática no campo da saúde referente à função assistencial de um Centro de Saúde. Ele menciona que algumas pessoas acreditam que não há espaço para essa instituição dentro de uma universidade, pois o papel de assistência deve ser cumprido pelo município de cada estado.
No entanto, não se pode esquecer a importância da USP em formar recursos humanos para as áreas da saúde, afirma o diretor. Para ele, é fundamental que o município arque com o ônus financeiro assistencial, pois recebe recursos para esse fim. Porém, a universidade também é responsável por qualificar os profissionais que irão atuar no mercado. “Eu tenho que fazer um casamento entre a universidade e o município de São Paulo”, ressalta Gallo.
O atendimento na atenção primária é um dos pontos de diálogo entre a sociedade e os profissionais de saúde. Por meio dela, é possível atuar preventivamente na instalação de quadros mórbidos e preparar o estudante para lidar com isso. O professor cita o exemplo de um dos alunos do Centro. Ele foi procurado por uma senhora, que estava muito bem de saúde, mas o questionou como poderia continuar daquela forma. “Esse é um dos maiores desafios hoje, como você age de maneira preventiva para que as pessoas tenham melhores condições de vida”, aponta o diretor.
Outra questão que é muito discutida, atualmente, é como promover a interdisciplinaridade entre as áreas. De acordo com o Gallo, isso só pode ser feito de forma prática, a partir das experiências com a realidade dos pacientes. O professor levanta o caso de um senhor que convivia com seis cachorros dentro de sua residência. Ele possuía uma úlcera na perna e precisava fazer curativos diariamente. Contudo, toda vez ao chegar em casa, eles eram retirados pelos cachorros.
O professor diz que esse quadro exige presença de outros atores no tratamento, porque são situações de afeto. A solução encontrada foi envolver o canil da força pública para que o paciente fosse internado por um curto período de tempo, enquanto seus cachorros fossem cuidados por um especialista de confiança. Para o professor, não basta treinar o estudante, é preciso também qualificá-lo. Isso só é possível quando ele está inserido na realidade da população.
Foto:Adilson M. Godoy