O vírus da influenza A, conhecida popularmente como gripe aviária, foi responsável, nos últimos anos, por diversos casos de morte ao redor do mundo. O seus subtipos mais letais são encontrados nos Estados Unidos (EUA), um dos principais locais de reprodução de aves migratórias que, no verão do hemisfério sul, vem ao Brasil. Monitorar a doença no país é relevante para observar se essas aves são portadoras do vírus, quais os subtipos de influenza que possuem, se eles são patogênicos ou não e as regiões onde estão se concentrando mais. Por conta disso, a médica veterinária Renata Hurtado fez, em seu doutorado pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, um estudo epidemiológico dos de vírus da influenza na região costeira da Amazônia.
Segundo a pesquisadora, muitas dessas aves migram do hemisfério Norte para o Sul. A maioria delas se reproduz no norte dos EUA ou do Canadá durante o verão e, todos os anos, voam para a baixo da linha do Equador, como o Brasil, para se alimentar e descansar. “Quando é inverno lá, elas se deslocam até aqui para aproveitar o nosso verão, depois voltando para o norte quando o inverno chego ao sul. Elas aproveitam as melhores condições de cada região”, explica. A migração dessas aves pode durar dias, dependendo do números de paradas que a ave faz durante o trajeto. Em seu trabalho, estudou espécies que nascem tanto nos EUA quanto no Canadá.
Em campo
Seis expedições, nas épocas de primavera e verão, foram feitas para os municípios de Bragança, Tracuateua e para a Ilha de Canelas, no Pará, entre 2008 e 2010 para a captura de aves aquáticas migratórias. Através de armadilhas altas chamadas de redes-de-neblina, capturaram aves - que depois foram soltas novamente - para coletar amostras de sangue e de secreções da região oral e da cloaca. Além disso, a população ribeirinha local disponibilizou as aves silvestres que mantinham em cativeiro para coleta de material biológico - principalmente patos, um dos principais transmissores dos vírus da influenza A.
Rede-de-neblina montada na Ilha de Canelas, no Pará (Imagem Renata Hurtado)
A armadilha, com três metros de altura, era montada pela manhã próxima ao mar e à vegetação de mangue. Para que as aves não enxergassem a rede, a captura era feita a noite e em fase de lua nova. Tudo foi montado baseado nas aves limícolas da ordem Charadriiformes, as quais o estudo pretendia avaliar.“São espécies aquáticas características das zonas entremarés ou de áreas alagadas em que a profundidade destes locais não ultrapasse o comprimento de seus membros inferiores”, relata. O local também foi estratégico, pois essa região do Pará é um ponto de parada importante desses animais. Contudo, como também montaram armadilhas próximas ao mangue, capturaram outras aves que, por compartilharem o mesmo ambiente daquelas que eram o alvo, também eram importantes no monitoramento do vírus e fizeram parte da pesquisa. Ao todo, conseguiram coletar material de 1093 aves.
Análises laboratoriais
Todas as amostras passaram por PCR, técnica de estudo molecular que identifica o vírus, fazendo a amplificação do seu material genético e, dessa forma, tornando possível detectar a presença dele. As amostas positivas foram levadas a um laboratório em Memphis, nos EUA, para realizar a subtipagem dos vírus. Ela foi feita a partir do isolamento em ovo embrionado, técnica na qual se inoculam as amostras em ovos de galinha com cerca de nove dias de vida. “Avaliamos diariamente o andamento da infecção no embrião e, quando ele vem a óbito, coletamos o líquido alantóide do ovo para estudar as proteínas do vírus”, explica Renata. A identificação é feita através da mistura de anticorpos de referência, que permitem a caracterização do subtipo do vírus. Depois disso, ainda foi feito um teste para sequenciamento genético dos vírus, o que indica seu grau de parentesco com outros vírus já estudados, fornecendo informações sobre quais as possíveis regiões de onde ele e o seu animal portador vieram, por exemplo.
Apenas três resultados comprovadamente positivos foram encontrados para os vírus da influenza A, todos Charadriiformes de uma mesma espécie: o vira-pedras. Com os estudos sorológicos e genéticos, encontraram o subtipo H11N9, de baixa patogenicidade e relativamente comum nessas aves. Também foi observado que estes vírus eram bastante parecidos geneticamente com outros encontrados em vira-pedras na Baía de Delaware, nos EUA, local de alta prevalência. “Olhando o mapa migratório, era pouco provável que não houvesse a influenza A nesses animais capturados no Brasil. As aves que vêm ao todos os anos ao país são as mesmas que habitam os EUA e o Canadá”, conclui.
Monitoramento e prevenção
A pesquisa pode ajudar a criar medidas de prevenção à disseminação do vírus em aves de produção, por exemplo, onde há o contato do homem com o animal e, consequentemente, pode haver, também, com o patógeno. Esbarra, ainda, na questão cultural da captura e a caça de aves silvestres, as quais podem possuir não apenas os vírus da influenza, mas outras doenças passiveis de serem transmitidas aos humanos. Renata apresentou seu trabalho no 59th Wildlife Disease Association na Argentina, em 2010, no 1st International Congress on Pathogens at the Human-Animal Interface na Etiópia, em 2011, e no 61th Wildlife Disease Association na França, em 2012. Por hora, esse é o maior estudo de influenza em aves silvestres feito no Brasil.