A segurança pública é um assunto delicado no Brasil, especialmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, as principais cidades do país. A violência é recorrente e os números são assustadores. Mais delicado ainda é quando ela é cometida pela própria polícia: foram 469 mortes por policiais militares em serviço nos três primeiros semestres de 2015, segundo a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Ficaram conhecidos os casos de Herinaldo, Cristian, Eduardo e Alan, crianças entre 10 e 15 anos que foram assassinadas por policiais. Para Adilson Souza, ex-tenente coronel e autor da dissertação de mestrado A Educação em Direitos Humanos na Polícia Militar, a principal explicação para a violência policial é a falta de formação em direitos humanos.
O que levou Souza a desenvolver a pesquisa foi o fato de, dentro da Polícia Militar, os jovens oficiais não conhecerem a temática de direitos humanos, sendo que ela é uma disciplina no currículo de formação. “Era uma disciplina que não atingia seu objetivo. Não era lecionada de maneira adequada e os conteúdos programáticos eram totalmente desvinculados da realidade social”, constata. Em 2012, época da pesquisa, a disciplina Direitos Humanos era de 90 horas-aula. Atualmente, foi diminuída para 41 horas.
O depoimento de dois ex-policiais militares condenados pela prática de homicídio e execução sumária, isto é, com a intenção de eliminar a vítima sem que ela tenha tido chance de esboçar uma reação, ajudou a comprovar a hipótese da dissertação. Os policiais afirmaram que a realidade social a ser enfrentada não fora abordada pelo curso de formação e que se sentiam despreparados para enfrentar as dificuldades do cotidiano – questões como corrupção, preconceito, tortura, gênero, deficiência e violência policial não eram abordadas, por exemplo. Segundo pesquisa feita em 2014 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pela Escola de Direito da FGV, 80,6% dos policiais entrevistados acreditam que a formação e treinamento são fatores muito importantes que dificultam o trabalho.
A análise crítica do currículo de direitos humanos do curso de formação de oficiais foi feito com base no livro A República, de Platão, que fala sobre o guardião da cidade, a pessoa encarregada de proteger a pólis. Seria o equivalente ao modelo de policial perfeito. Ele deve ser nutrido com a verdade, que não deve ser encoberta em nenhuma hipótese, nem mesmo diante do erro. Essa virtude, junto com sua formação, será o impulso para o guardião ser bom ou mau. “O guardião deve ser treinado de tal maneira que ele reconheça os membros da pólis como pessoas que merecem ser protegidas”, explica.
Os membros da pólis, por sua vez, também devem ter participação ativa na formulação educacional do policial e da avaliação dessa formação. “Se evita e se impede que a sociedade participe, analisando, fazendo críticas, tendo acesso, propondo correções e medidas de auxílio. A sociedade, que é a principal cliente e, muitas vezes, vítima desse policial, não é chamada e não pode participar em nada”, comenta. Um exemplo é o decreto feito pelo governo do estado de São Paulo – depois revogado – o qual impunha sigilo a alguns documentos da Polícia Militar, além da Sabesp e do Metrô, o que vai totalmente contra a transparência necessária para o bom funcionamento da segurança pública.
Existe, desde 1997, um programa estadual de direitos humanos que estabelece a criação de um comitê de educação e a participação da sociedade na formulação e no acompanhamento de políticas referentes a esses temas. Nunca foi adiante. A sociedade, portanto, não pode participar e fica alijada da discussão, o que, segundo o pesquisador, faz com que haja uma formação totalmente desvinculada da prática social e da realidade que o policial vai enfrentar no dia a dia. A consequência é esse grave quadro de violação de direitos humanos perpetrado pela polícia militar.
Por ter feito parte da corporação, Adilson Souza acredita que sua análise da polícia militar é diferenciada. De acordo com ele, o benefício da experiência ajudou-o na forma de pesquisar e de analisar os dados. Seu mestrado já foi transformado em livro: O Guardião da Cidade – reflexões sobre casos de violência praticado por policiais militares, lançado em 2013 pela Escrituras Editora.