ISSN 2359-5191

08/12/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 125 - Saúde - Instituto de Ciências Biomédicas
Destruição de tecidos auxilia no controle da malária
Sinalização de lesão celular libera moléculas que ativam grupo de células importante do sistema imune
Protozoário da malária se aloja nos glóbulos vermelhos do sangue (Foto: reprodução)

A malária afeta cerca de 300 milhões de pessoas por ano e tem uma taxa de mortes muito alta, comparável à da aids. É uma infecção de difícil controle, que ocorre principalmente em regiões rurais, quentes e de periferia. No Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, o laboratório da professora Maria Regina D'Império Lima, estuda a imunologia da malária e resultados recentes de seu trabalho mostraram que a sinalização da lesão nos tecidos, causada pelo parasita da doença, contribui para uma certa proteção do indivíduo.

Patologia de difícil controle

Ao contrário de doenças infecciosas como sarampo, caxumba e rubéola, que normalmente atingem as pessoas apenas uma vez na vida, geralmente durante a infância, e o organismo torna-se protegido, a malária pode se manifestar várias vezes. Não é fácil ficar protegido contra ela, afirma a professora Maria Regina D'Império Lima. Não existe vacina eficaz contra a malária, apesar de muitos esforços estarem sendo feitos no sentido de desenvolver uma. "Se nem uma infecção protege da outra, é difícil imaginar a ideia de simular uma para ficar protegido da verdadeira", analisa Regina.

A única forma de estar protegido contra a malária, explica a professora, é estando infectado. Em regiões onde há grande quantidade de mosquitos contaminados, como na África, uma zona endêmica, é possível manter a doença em níveis controlados, apesar de o parasita não ser completamente eliminado. Em níveis baixos, a malária é assintomática e o indivíduo encontra-se resistente a novas infecções. "Ele consegue controlar o parasita e não pega outras infecções porque fica protegido enquanto está sendo constantemente estimulado", afirma Regina. Mas se esse indivíduo é tratado e elimina o parasita, ele está suscetível a uma nova contaminação.

Para entender porque essa situação acontece, o laboratório do ICB, sob coordenação de Regina, estudou modelos experimentais de camundongos. Para um camundongo estar bem protegido contra uma segunda infecção, ele tem que manter uma certa quantidade de um tipo de célula do sangue muito importante para a imunidade, os linfócitos T. Ele tem que ter um número relativamente grande dessas células pré-armadas, chamadas de linfócitos T efetores, para responder rapidamente contra a infecção. Se essas células estão pré-ativadas, o organismo está protegido. Quando elas se desativam, a proteção cai rapidamente.

Para que essas células se mantenham ativadas, existe a necessidade de o animal estar infectado. "Quando ele é curado, os linfócitos T efetores deixam de se ativar e voltam a um estado chamado de memória central", explica Regina. Quando isso acontece, os camundongos, se infectados novamente, voltam a desenvolver a doença.

Os resultados do grupo sugeriram que, além de a presença do parasita ser importante nessa proteção, a lesão nos tecidos causada por ele também é importante para que os linfócitos T efetores permaneçam ativados. "Não é só o fato de o parasita permanecer no organismo, mas ele precisa estar lá causando dano e levando a liberação de moléculas que sinalizam a existência dessas lesões", afirma Regina.

Destruição de glóbulos vermelhos

O parasita da malária, o protozoário Plasmodium, infecta as células do sangue, os eritrócitos ou glóbulos vermelhos. Ele tem duas fases: primeiro uma fase hepática, em que se instala no fígado, mas que dura pouco tempo e não desenvolve doença perceptível e, depois, passa a infectar os eritrócitos, células muito importantes no transporte de oxigênio para os tecidos. Dentro dessas células, o Plasmodium se divide até quebrá-las e vai para outro glóbulo vermelho.

Ciclo da malária no corpo humano (Foto: Regina Lima)

Enquanto o parasita está no sangue, todo dia ele quebra uma certa quantidade de eritrócitos. Essa divisão dentro da célula obedece a um ritmo: no camundongo, de 24 em 24 horas, um eritrócito é estourado; no homem, esse ciclo pode ser de 3 a 4 dias, a depender do tipo de malária. Quando o glóbulo vermelho é rompido, surge a febre. Por isso que, na malária, fala-se em febre "terçã", "quartã", que acontece num ritmo determinado. O eritrócito se arrebenta, libera os parasitas no sangue e outras moléculas associadas ao dano celular, uma vez que a célula se rompeu.

Uma dessas moléculas é o trifosfato de adenosina – o ATP. Responsável pelo armazenamento de energia, o ATP está presente em grande quantidade dentro da célula, nas mitocôndrias. Mas, quando o glóbulo vermelho se rompe, essas moléculas e seus subprodutos saem da célula e sinalizam receptores que as reconhecem, chamados de receptores purinérgicos. Esse ATP extracelular atinge concentrações suficientes para induzir, por meios desses receptores, a ativação de células do sistema imune.

Utilizando-se de dois tipos de camundongos, um deles normal e outro modificado para não ter um desses receptores chamado de P2X7, que reconhece o ATP extracelular, o grupo observou que a manutenção dos linfócitos T efetores, importantes para se proteger contra a infecção, só acontece se as células tiverem esse receptor. "Quando ela não tem o P2X7, não se geram células capazes de proteger contra a malária", explica Regina.

Para manter essa imunidade, é necessário que o parasita esteja no organismo, mas também precisa-se de dano dos tecidos para que o sistema imune perceba aquela lesão e se mantenha suficientemente ativado para conseguir controlar a infecção. "Isso explica porque, se a doença é tratada com uma droga que elimina a malária, também perde-se a imunidade contra uma próxima contaminação", complementa a professora.

Esses resultados contribuem para a compreensão da imunologia da malária, explica Regina. O entendimento dos mecanismos dos quais o sistema imune se utiliza na infecção é de grande importância para o desenvolvimento de vacinas e medicamentos que possam conferir algum tipo de proteção contra a doença e seus sintomas, que é muito difícil de ser tratada e mata cerca de três milhões de pessoas ao ano.

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