O câncer de mama é uma das neoplasias de maior incidência em cadelas no Brasil. Em países os quais não possuem a cultura de fazer castração em animais ainda jovens, como é o caso do Brasil, a ocorrência desse tipo de câncer é bastante alta. Ele é uma das principais causas de morte de cadelas, ainda mais atualmente, pois os animais estão vivendo mais do que no passado. Dada a relevância da doença, o médico veterinário Luiz Biondi, em seu doutorado pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, investigou o assunto pesquisando marcadores tumorais para a neoplasia mamária em cães que também pudessem ser utilizados em humanos posteriormente.
“Esse tipo de tumor em cães pode servir como base para estudá-lo, também, em outros animais, principalmente os humanos”, revela o pesquisador. Segundo ele, está crescendo a ideia de que cães são como sentinelas. Apesar de viverem por menos tempo, eles estão expostos aos mesmos tipos de agressão que os seres humanos, como água contaminada, poluição ambiental e estresse. Por conta disso, eles servem como um bom modelo para estudar a doença. “Como o homem tem uma vida mais longa, demora-se mais tempo para fazer um estudo desses, acompanhando pacientes que tem câncer”, explica. Com os cães, é possível fazer o acompanhamento da evolução natural da doença, pegando dados que podem ser utilizados para ajudar no entendimento do câncer nos humanos.
Sobre o estudo
Iniciando seu doutorado em 2010, Biondi fez três estudos distintos sobre o câncer de mama canino para a sua pesquisa. Inicialmente, analisou a população canina da Baixada Santista no hospital da universidade onde trabalha. “Existem resultados apontando que a incidência da neoplasia maligna em Santos é maior que em outras regiões do país”, comenta. Para tanto, avaliou como é o comportamento da doença naquela região, observando qual a faixa etária na qual há maior ocorrência, quais os principais tumores e qual a expectativa de vida dessa população quando é acometida pelo câncer de mama.
A etapa seguinte consistiu em utilizar certos marcadores tumorais nas cadelas. Eles são proteínas que estão presentes apenas nas células cancerosas; ou também estão presentes nas células normais, mas em um número muito maior nas cancerosas, sendo normalmente associados à agressividade do tumor. Primeiramente, Biondi estudou marcadores usados em mulheres, buscando correlação entre as resposta do humano e a do cão. Trabalhou, ainda, com marcadores utilizados em outros tumores caninos, avaliando se algum deles possuía uma boa resposta nas cadelas com câncer de mama.
Por último, estudou uma alteração química do DNA chamada de metilação. “O câncer é considerado uma mutação do DNA. Dependendo do local no qual isso ocorre, a célula perde o controle próprio e começa a se dividir muitas vezes, o que caracteriza a doença”, explica o médico veterinário. Nas alterações da metilação, não há mutação do genoma, mas sim a inserção ou a perda de moléculas que podem ativar ou desativar o segmento de um gene. A metilação, quando perdida ou ganha, é responsável por ativar genes pró-câncer e desativar genes anti-câncer, respectivamente. Ela é influenciada pelo meio ambiente, como poluentes e conservantes utilizados na indústria de alimentos. “Por conta desses fatores, achei importante observar como o padrão de metilação se comporta no câncer de mama na cadela”, completa.
Pesquisa laboratorial
Biondi utilizou tanto material de arquivo, com tumores conservados em blocos de parafina, quanto material colhido durante a cirurgia de remoção das mamas afetadas. Esses fragmentos de tumores foram submetidos a uma técnica chamada imunohistoquímica, na qual anticorpos são usados para localizar os marcadores tumorais. A visualização dos marcadores se faz por um segundo anticorpo ao qual é adicionado um cromóforo — substância que dá cor ao tecido onde está o marcador — assim possibilitando a leitura da lâmina de microscopia. Por fim, também foram avaliados parâmetros como a idade do animal, sua raça, o tamanho do seu tumor e o tipo histológico que este tumor apresentava, além da sobrevida dos animais.
O pesquisador observou que, na maioria das cadelas nas quais o tumor voltou, havia um padrão hipometilado, com um DNA menos metilado que em outros animais. Com relação aos marcadores de rotina utilizados em mulheres com câncer de mama, não encontrou os mesmos resultados com as cadelas. “Isso significa que, talvez, os cães não sejam um modelo tão bom para estudar esse tipo de câncer em humanos”, revela. Já com os marcadores novos, especialmente o FGFR2 e o GATA3, conseguiu estabelecer uma relação entre o grau de malignidade do tumores e esses marcadores. “Mais estudos podem fazer com que eles tenham uso eficaz nas cadelas com a neoplasia e, provada a eficácia no animal, também possam ser utilizados em mulheres”, conclui.