O que faz um determinado tratamento para parar de fumar ser eficaz em certas pessoas e não surtir efeito em outras? Foi essa a pergunta que a farmacêutica Juliana da Rocha dos Santos e seu colega Paulo Roberto Xavier Tomaz procuraram responder em recente pesquisa publicada pela Faculdade de Medicina (FM) da USP. Segundo os resultados, muita dessa diferença provém do fator genético de cada um, o qual foi justamente o foco do estudo. “Essa pesquisa é um trabalho de farmacogenética - o que a genética pode influenciar no metabolismo, na eficácia ou na toxicidade em relação aos medicamentos”, explica Juliana.
Interessada na área desde sua graduação, ela acabou se envolvendo no mestrado com o Laboratório de Genética Molecular (CBMEG), onde deu os primeiros passos para a pesquisa. “Achamos importante fazer um estudo desses para pacientes que fazem tratamento antitabagismo devido a alta variabilidade de métodos, a alta prevalência de fumantes e a dificuldade que eles têm de parar com o vício”, esclarece. Para a realização, Juliana e sua equipe fizeram uma triagem com mais de mil pacientes que participavam do Programa de Assistência ao Fumante do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas (HC) - com pessoas que estavam no programa antitabagismo desde 2007 - e selecionaram genes tradicionalmente associados à dependência e resposta à nicotina. “Trabalhamos com uma variação genética de uma pessoa pra outra com a troca de apenas uma base nitrogenada e que tem uma frequência alta na população”, complementa.
Para apurar ainda melhor essa variação genética, o grupo selecionou somente dois medicamentos para análise: a bupropiona e a vareniclina, os dois mais indicados para o tratamento antitabagismo. “A vareniclina é um fármaco desenvolvido por engenharia molecular pra atuar especificamente no mesmo local que a nicotina atua”, elucida Juliana. “Já a abupropiona foi desenvolvida pra ser um anti-depressivo e, com o tempo, os médicos foram averiguando que ele diminuía a vontade de fumar nesses pacientes que faziam tratamento.” A bupropiona ainda poderia estar associada a um Terapia de Reposição Nicotínica (TRN), tais como goma ou adesivo de nicotina. Dessa forma, o total de participantes diminuiu para 483.
Os que fumavam mais de um maço por dia (equivalente a 20 cigarros) foram selecionados para o tratamento com vareniclina e os que fumava menos ou igual a um maço, para o com bupropiona. “A vareniclina ainda é o que tem mais sucesso ainda em relação aos outros. Então, porque não escolhemos o mais eficaz pra todos?”, questiona Paulo Roberto. “Justamente porque ele é um medicamento caro, que só agora está sendo distribuído aqui no complexo do HC. Antes, o paciente tinha que arcar do bolso então ele era escolhido para os que tinham maior dependência e fumavam mais.”
Após recrutarem os pacientes, o grupo fez uma coleta de sangue com extração de DNA e genotipagem para encontrar as variações genéticas desejadas e as bases nitrogenadas de cada um. Foi verificado também, após 6 meses de tratamento, qual foi o resultado e também qual dos fármacos utilizados. Daí, três desfechos eram possíveis: sucesso no tratamento - se o paciente conseguisse ficar os 6 meses sem fumar; resistência - caso o indivíduo ainda sentisse impulso de fumar mesmo tomando a medicação; e recaída - se não tivesse completado 6 meses de abstinência, ou seja, parou e voltou a fumar.
Os resultados foram esclarecedores. Eles perceberam que numa variação genética do gene CHRNA4, que podia ser o alelo C (citosina - o mais comum) ou T (timina - dominante), os homozigotos (dois alelos iguais dentro do mesmo gene) CC que faziam tratamento com vareniclina tinham menor taxa de sucesso no tratamento. “Os que tinham a presença do alelo T tiveram uma taxa muito maior de sucesso do que os que não tinham: 50,9% contra 29,5%”, ilustra Juliana. Num outro grupo, do gene que CYP2B6, que codifica uma enzima do fígado que metaboliza a bupropiona, a variação se dava nos alelos A (adenina - o mais comum) ou G (guanina). Nesse, quem não possuía o alelo G, portanto o grupo AA, tinha uma taxa de sucesso de 48% no tratamento contra 35,5% do outro que possuía. “O alelo G está relacionado com metabolização mais rápida do fármaco, então ele fica pouco tempo no organismo, por isso a menor taxa de sucesso”, explica Paulo Roberto. “Já o alelo T, está associado com menor risco de depressão, ansiedade, instabilidade emocional e menor propensão à dependência à nicotina, fatores que têm uma estreita relação com o hábito da pessoa continuar fumando.”
A partir desses resultados, o grupo tem pretensão de aprimorar o tratamento personalizado antitabagismo presentes na rede de saúde, porém ressalta que ainda há um longo caminho para se percorrer antes de poder afirmá-lo categoricamente no presente. “O ideal é fazer um estudo no qual se coloca aleatoriamente, em sorteio em que x número de pessoas vão tomar cada remédio”, exemplifica Juliana. “Esse estudo ele ainda é preliminar, ou seja, precisa de outros estudos que possam replicar o resultado em outras populações ou que sejam randomizados dessa forma.”