Construir uma dieta equilibrada e rica em vitaminas, minerais e gorduras não é fácil. Normalmente, as pessoas apenas somam os nutrientes presentes no mantimento para avaliar se ele é bom ou ruim. Um estudo realizado na Faculdade de Saúde (FSP) da USP propõe um novo olhar sobre esta questão. Orientada pelo professor Carlos Augusto Monteiro, a pesquisadora Maria Louzada buscou, em seu doutorado, classificar os alimentos de acordo com sua proposta de processamento. Para ela, não se pode colocar produtos como o sorvete e o óleo, ambos ricos em gordura, no mesmo patamar, pois o óleo favorece o consumo de comidas saudáveis (arroz, carne, entre outros).
A pesquisadora classificou os alimentos em quatro grupos. Na categoria in natura ou minimamente processados foram agrupados mantimentos como arroz, feijão, carne e leite. Criou-se também a categoria dos ingredientes usados para cozinhar esses alimentos, como sal, óleo, gordura e açúcar. Os produtos considerados processados são os queijos e os pães frescos. Já no conjunto de ultraprocessados estão alimentos com formulações industriais, que passam por várias etapas de processamento, como os refrigerantes, bolachas e fast food.
A dieta dos brasileiros
Durante o estudo, a nutricionista fez uma descrição da alimentação da população brasileira. Ela buscou analisar qual era o impacto do consumo de produtos ultraprocessados na prevalência de obesidade no Brasil. O intuito era identificar se uma pessoa que consome ultraprocessados em excesso consegue ter a quantidade de vitaminas, gorduras e minerais dentro dos padrões recomendados. A análise foi realizada com base na nova classificação proposta pela pesquisa.
Para Maria, antes, a orientação passada à sociedade era “evite gorduras”. No entanto, há diversos alimentos que possuem gordura, mas não são tão prejudiciais à saúde, se consumidos na quantidade recomendada, como o caso do óleo. O ideal, portanto é consumir o mínimo de ultraprocessados e usar o óleo para preparar alimentos mais saudáveis. “É um jeito mais pedagógico e conversa melhor com as pessoas”, ressalta a pesquisadora. O resultado da pesquisa mostrou que os alimentos ultraprocessados comprometem a qualidade de alimentação e acarretam em maiores riscos de obesidade.
O estudo teve como base a pesquisa realizada, entre 2008 e 2009, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sobre o consumo de alimentos da população brasileira (durante dois dias). O IBGE coletou os dados de 30 mil brasileiros de 10 anos ou mais. Também foram reunidas informações sobre as condições socioeconômicas e dados referentes à obesidade. De acordo com a pesquisadora, felizmente, mais de 70% da alimentação dos brasileiros ainda é composta por alimentos in natura ou minimamente processados. No entanto, já é possível identificar um aumento no consumo de produtos ultraprocessados, o que mostra que as pessoas estão cozinhando cada vez menos.
Os vilões da dieta brasileira
Segundo a nutricionista, os alimentos ultraprocessados contêm, em suas formulações, diversos ingredientes, muitas vezes, com nomes estranhos e desconhecidos, que as pessoas não usam em casa. O estudo identificou que esses produtos possuem um perfil nutricional inadequado.
Eles são pobres em vitaminas, ferro, fibras e apresentam maiores quantidades de açúcar e gorduras. Essas características tornam a população mais suscetível ao desenvolvimento de quadros como a obesidade e doenças cardiovasculares. Além disso, a pesquisadora menciona que eles conservam propriedades hiperpalatáveis. Elas danificam o mecanismo cerebral que controla a quantidade de comida consumida, acarretando em um hiperconsumo de alimento. Isso acontece apenas com os ultraprocessados.
Já os produtos processados são estudados de forma separada, pois estão há muito tempo incorporados na alimentação brasileira. Eles são alimentos in natura que são modificados com a adição de alguns nutrientes, como sal, açúcar ou óleo. Por exemplo, a conserva continua sendo a fruta, no entanto pode vir acrescentada de calda de açúcar. Para Maria, esses alimentos não são tão problemáticos, pois vêm acompanhados de uma dieta mais saudável.
Foto: Marcos Santos/ USP Imagens
Promover Políticas
Recentemente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) fez um relatório alertando a população que consumo de produtos como, salsicha, linguiça, bacon e presunto, aumenta o risco de câncer de intestino. De acordo com a pesquisadora, esse pronunciamento é uma medida positiva. No entanto, é necessário pensar também em estratégias de comunicação com a sociedade. Para Maria, um dos maiores desafios da pesquisa científica é dialogar com as pessoas.
Uma iniciativa interessante foi a criação do Guia Alimentar para a População Brasileira, destaca a nutricionista. Ele foi produzido pelo Ministério da Saúde, em parceria com os pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública da USP. Muitos dos trabalhos do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da USP, grupo que Maria faz parte, embasaram fortemente as recomendações presentes no guia.
A pesquisadora também ressalta que é preciso assumir que a alimentação não é somente uma escolha individual. Não basta promover a educação nutricional, quando todo um ambiente favorece o consumo de alimentos ultraprocessados Outros países já vêm desenvolvendo algumas políticas interessantes para reduzir o uso destes produtos. No México, houve um aumento dos impostos dos refrigerantes e esses recursos foram revertidos para a instalação de bebedouros nas escolas.
A regularização da publicidade de alimentos ultraprocessados para crianças também é um elemento que deve estar na agenda de políticas públicas, ressalta a nutricionista. Para ela, as crianças não possuem maturidade para lidar com as propagandas que se aproveitam do imaginário infantil com intuito de vender algum produto.
Foto: Marcos Santos/ USP Imagens