Dois mil e quinze foi o ano do Saguinus bicolor em Manaus, pequeno primata — conhecido também como sauim-de-coleira — endêmico da Amazônia que está em perigo de extinção. Nos últimos 40 anos, com Manaus tornando-se cada vez mais um polo industrial, o crescente desmatamento e a ação antrópica têm feito com que o animal perca seu habitat. Diversos trabalhos e projetos procuram associar essa perturbação com a ocorrência de agentes infecciosos nesses macacos, principalmente enfermidades emergentes e reemergentes. A médica veterinária Mónica Romero Solorio, em seu doutorado pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, fez um levantamento desses patógenos nas subpopulações do sauim-de-coleira nas áreas urbanas e rurais da capital do Amazonas.
“Tive a oportunidade de viajar para Manaus e conversar com o pesquisador Marcelo Gordo, que vem liderando há mais de 15 anos um projeto grande: o Projeto Sauim-de-Coleira, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM)”, relata. Ele integra estudos ecológicos e genéticos da espécie com o intuito de conservá-la. Durante todos esses anos, houve um declínio de população desses animais, justamente devido ao derrubada da mata para a construção de novos empreendimentos e rodovias. Somando-se isso ao tráfico de animais silvestres e acidentes causados pela urbanização, como atropelamentos e choques elétrico, a ameça de extinção vem seguindo os saguis. Contudo, nenhuma avaliação sobre o estado de saúde desses deles havia sido realizada até então, o que resultou na pesquisa de Mónica.
Levantamento de populações
Iniciando seu trabalho em 2011, a médica veterinária fez, em primeiro lugar, um levantamento de onde estavam localizados os grupos desse animal. Em Manaus, eles normalmente se encontram em fragmentos florestais urbanos e áreas mais rurais. A intenção era descobrir quantos grupos existiam nos locais, quantos indivíduos havia em cada grupo, por onde esses grupos apareciam e se eles costumavam visitar a casa de moradores — o que é bastante comum, principalmente porque muitos moradores desenvolvem uma empatia com o animal e lhes oferecem alimento. Depois disso, decidiu quais grupos seriam mais fáceis de serem estudados, especialmente devido a logística para realizar a captura.
Foram escolhidos 22 locais no total, sendo 16 urbanos e seis rurais. Instalaram plataformas de captura nesses lugares, colocando bananas como iscas e fazendo o monitoramento. “Observávamos por aproximadamente 15 dias se os sauins tinham se habituado com o alimento e o local e, se fosse esse o caso, a captura era realizada”, explica. No total, 53 indivíduos foram capturados de doze grupos — dez urbanos e dois rurais. Mónica coletou amostras de sangue, secreções orais, retais e fezes de todos eles, com exceção dos filhotes com menos de três meses. Também foi instalado um chip em cada um dele, para que pudessem ser monitorados. Ao final, todos foram devolvidos para a natureza e quase 400 amostras foram coletadas, sendo analisadas na FMVZ , no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP e no Instituto de Medicina Tropical (IMT) da Universidade.
“Conseguimos encontrar agentes infecciosos nos sauins-de-coleira, principalmente nos grupos dentro de fragmentos urbanos”, revela a pesquisadora. Observaram a presença do rotavírus A, cujo reservatório é o ser humano; do hantavírus, encontrado apenas em roedores silvestres; e, em um dos grupos rurais, o Plasmodium spp., patógeno causador da malária. Entretanto, nenhum deles estava, de fato, com a doença: todos foram encontrados em boas condições de saúde. Também constataram que os animais encontrados nas áreas rurais estavam muito mais saudáveis em comparação aos urbanos, com peso maior e pelagem mais bonita, além de não haver resultados positivos deles para essas viroses.
Protocolo de monitoramento
O estudo de Mónica ainda auxiliou pesquisadores organizados os quais trabalham no Plano de Ação Nacional dessa população de primatas. Ela foi convidada a colaborar na determinação de um protocolo — a ser feito a longo prazo — para dar continuidade a esse monitoramento. “Isso significa que, por exemplo, sempre que um animal chegar ao Ibama ou ao Ipam, seja pelo motivo que for, devem ser colhidas amostras biológicas deles, como algo de rotina”, explica. A Universidade Federal do Pará (UFPA) e a USP serão colaboradoras nesse projeto, disponibilizando seu laboratórios para avaliar essas amostras e, consequentemente, o estado de saúde dos sauins-de-coleira.
“A lição que fica é que a saúde desses animais reflete a saúde do ambiente onde vivem, que não vai muito bem devido às perturbações antrópicas”, comenta Mónica. Segundo ela, caso existissem políticas ambientes as quais dessem proteção especial para esses fragmentos urbanos e que realmente funcionassem, isso refletiria muito não apenas na saúde dos sauins, mas também em todas as espécies silvestres habitantes desses fragmentos. Até mesmo as populações humanas seriam beneficiadas, porque essas espécies estão em contato constante com o homem. Para a pesquisadora, quando um ecossistema é saudável, a população humana e silvestre que o habita também será.