O FabLab SP, laboratório de fabricação digital da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP implementado em 2012, era inicialmente utilizado apenas em disciplinas da pós-graduação. Quase três anos depois, o local já está completamente incorporado à rotina da unidade, é utilizado pelos membros da FAU e de outros institutos da USP e servirá de modelo para a implantação de laboratórios comunitários em São Paulo.
O laboratório é vinculado à rede mundial Fabrication Laboratory (FAB LAB), liderada pelo Center for Bits and Atoms, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos. É o primeiro da rede no Brasil, e foi idealizado pelo professor Paulo Fonseca de Campos, em parceria com o grupo de pesquisa DigiFab, que trabalha com tecnologia digitais de fabricação aplicadas à arquitetura e ao design.
Tanto o laboratório quanto o grupo de pesquisa responsável por sua idealização estão atrelados também à engenharia, artes plásticas, medicina e odontologia. Hoje, o DigiFab conta com membros de diversas unidades da USP e também parceiros de fora da Universidade. "Eu sempre falo que aqui existe o hardware, que é o FabLab SP, e o software, que é o o DigiFab. O software tem alunos da Universidade, não-alunos, empresas e professores da FAU, da Poli, da ECA e da Faculdade de Odontologia. E a tendência é que ele se torne cada vez mais multidisciplinar, conforme a gente vai desenvolvendo os projetos, começa a identificar os pontos de interação da áreas", diz Paulo Fonseca.
O professor faz questão de deixar evidente o caráter horizontal e colaborativo do grupo e do laboratório. Um dos membros, aluno da pós-graduação pela FAU, trabalha com robótica aplicada à arquitetura e utiliza um braço robótico emprestado do curso de engenharia mecatrônica. Esse é um dos exemplos de pontes que o projeto tem proporcionado.
Além das conexões que o DigiFab possui com institutos da USP, existem também as relações externas, inclusive internacionais – José Pedro Souza, docente da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, que também trabalha com fabricação robótica, está vinculado às atividades do FABLAB SP. "Esse ambiente de rede é muito interessante – seja dentro da Universidade, em diálogo com a sociedade ou as ligações globais que a gente passa a ter. Se a gente se fechasse enquanto laboratório não daria nada, os resultados certamente seriam muito menores", afirma Paulo Fonseca.
Open Days e novos FabLabs
Junto com a expansão do laboratório, cresceu a vontade de torná-lo mais acessível fora do circuito acadêmico. Pensando nisso, o grupo criou os chamados Open Days, que inicialmente ocorriam às quartas-feiras na FAU. "Uma vez que hoje há a oferta dessas tecnologias digitais, cabe a nós oferecer aqui dentro da Universidade a oportunidade de os alunos, pesquisadores e a comunidade tomarem contato. Pensando no tripé da Universidade, a extensão deste setor é o dia aberto". Eles recebem os grupos interessados, fornecem workshops e contato com as máquinas e materiais.
Atualmente, o evento não tem periodicidade definida e depende do número de pessoas que manifestam interesse. Existem algumas regras para fazer uso do laboratório e para executar projetos, que devem ser submetidos a uma aprovação, mas a ideia é que ele seja aberto e disponível a todos.
Os Open Days também funcionarão como auxílio aos usuários dos 12 futuros laboratórios comunitários projetados pela Prefeitura de São Paulo, inspirados no modelo existente na USP. Os membros do FabLab apoiaram a implementação, ajudaram a fazer a especificação dos equipamentos e a discutir o modelo de funcionamento. A ideia, agora, é que cada uma dessas comunidades possa ter um primeiro contato com as máquinas e com a cultura de fabricação digital dentro da USP antes da inauguração dos laboratórios.
Já existe, em São Paulo, o primeiro laboratório de fabricação digital comunitário vinculado à rede FabLab. Ele foi implementado no Memorial da América Latina em 2015, e está especialmente relacionado ao campo da produção digital voltado para as artes visuais.
A expansão da rede laboratorial gerou também o projeto FabSocial, comandado por Alex Garcia, membro do DigiFab. Ele decidiu pesquisar o impacto das tecnologias digitais no processo de aprendizado, com foco no ensino básico e na inserção dessas ferramentas nas escolas como um incentivo à criatividade. Hoje, a pesquisa ultrapassou as fronteiras da Universidade e funciona como projeto independente.
Especulação e tecnologia
Mas o aumento da acessibilidade às tecnologias digitais de fabricação também precisa ser celebrado com responsabilidade: a formação de grandes laboratórios, que utilizam uma variedade de máquinas e de matéria-prima, lida necessariamente com novos interesses econômicos e políticos. Essa é uma discussão que não pode ser deixada em segundo plano em função dos benefícios da inovação tecnológica. "Precisamos refletir e acabar com uma certa consciência ingênua a respeito das coisas", diz Paulo. "É interessante que a gente tenha consciência dos interesses que estão por trás e do que cada tecnologia pode fornecer do ponto de vista da adequação.”
Para Paulo, "a fabricação digital é uma grande inovação tecnológica, mas não é um processo de ruptura". Sua expansão não se apoia na destruição de outras formas de indústria, mas na criação de uma variedade que pode gerar projetos complementares. “Ainda existe espaço para a indústria mais calcada no fordismo, assim como pode existir uma indústria tocada por poucas pessoas, e que tenha essa função de customizar, personalizar objetos", explica. "É muito importante saber onde a tecnologia digital de fabricação vai cumprir seu papel, onde de fato ela pode ser útil.”
O professor, que ministra uma disciplina na FAU cujo objetivo é debater os efeitos da implantação dessas novas ferramentas, explica que a “fetichização” e especulação acerca da tecnologia devem ser evitadas. “Por isso estou sempre me perguntando: tecnologia pra quê? E para quem?”. E conclui: "A gente tem que desmistificar, mostrar como funciona, para que as pessoas assimilem tecnologia não como produto ou máquina, mas como conhecimento."