A perda de urina, chamada enurese, é um problema que acomete principalmente crianças e adolescentes, mas diferentemente de adultos, os motivos desta condição não estão relacionados à disfunções no músculo que faz a contenção da urina — chamado assoalho pélvico —, por isso ainda estão sendo estudados. Um destes motivos é relacionado ao controle postural, que foi mensurado por Rita Pavione através de sua dissertação de mestrado, Postura e equilíbrio em crianças e adolescentes com enurese noturna, realizada pelo Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da USP.
A pesquisadora, que trabalha na área de fisioterapia do Hospital das Clínicas (HC), percebeu que adultos e crianças recebiam o mesmo tratamento fisioterapêutico em sua clínica, focando apenas no fortalecimento do assoalho pélvico. Apesar dos exercícios mostrarem resultados positivos, Rita diz que nas crianças e adolescentes o foco não deveria ser nesta musculatura e, sim, na questão da maturação do corpo todo. Pesquisas anteriores mostram a relação com hiperatividade, alterações de aprendizagem e sono, entre outras. A partir deste conhecimento, Rita percebeu que todas as crianças que recebia tinham problemas posturais e decidiu verificar se esta condição se relaciona com a perda de urina. “Começamos a observar na prática que elas tinham muitas alterações posturais, mas não era nada que havia sido mensurado até então. Já sabíamos que as áreas cerebrais e neurais que controlam a urina têm uma relação muito íntima com as áreas que controlam o controle postural e motor. Se são relacionadas se eu trabalhar uma, posso ter um impacto sobre a outra”, explica.
Para avaliar esta hipótese, Rita realizou sua pesquisa no HC em parceria com o Instituto de Psicologia da USP, por já atender um grupo de crianças com perda de urina. A enurese pode ser encaixada em dois tipos: quando a perda só acontece de noite (monossintomática); e quando há outras sintomas, como a dificuldade em liberar urina (polissintomática). Por isso, as crianças foram avaliadas por fisioterapeutas, neuropediatras, nefropediatras e psicólogos para conhecer cada caso. Após avaliação inicial, a pesquisadora ficou com um dois grupos de 30 crianças com enurese — um monossintomático e o outro polissintomático — e um grupo de 60 crianças sem nenhuma queixa de postura e perda de urina, chamado grupo controle. As crianças foram submetidas a testes de equilíbrio em uma base estável e instável, e a avaliações de controle postural. Ambos grupos com incontinência urinária apresentaram resultados inferiores em relação ao grupo controle, o que já era esperado.
Esta relação explica-se pelo fato da região que controla grande parte das ações motoras também é responsável pelo ato de eliminar urina (controle miccional). Mas o que a pesquisadora destaca é que o controle postural e a enurese são dois problemas que fazem parte de um conjunto de complicações relacionadas a maturação do corpo da criança. “Aquela criança não tem só enurese, a enurese faz parte de um conjunto de alterações que podem estar ligadas diretamente à maturação do sistema”, destaca. Ou seja, o tratamento fisioterapêutico focado na postura e equilíbrio da criança e adolescente deve ser complementar a uma série de outros cuidados. “Além de toda parte de estimulação neuromotora, tem uma parte comportamental e educativa que tem de ser muito trabalha, independentemente se você vai no tratamento tradicional ou se você vai para a área de postura e equilíbrio. A mãe e a criança tem de entender que a bexiga tem um funcionamento ideal e, além disso, entender toda a consequência psicossocial que o problema causa”, completa Rita.