ISSN 2359-5191

24/02/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 19 - Saúde - Instituto de Psicologia
Limites psíquicos podem influenciar o desenvolvimento de anorexia e bulimia
Segundo pesquisa, existem analogias entre a relação que pessoas com patologias alimentares estabelecem com a comida e seu funcionamento mental
Créditos: Gusmão / Site A Crítica

A anorexia é um distúrbio alimentar que causa perda de peso em excesso e faz com que as pessoas tenham uma visão distorcida sobre o próprio corpo. Já a bulimia se caracteriza por episódios nos quais ocorre a ingestão exagerada de alimentos, seguida por vômitos provocados. Ambas as doenças estão atreladas a fatores que ultrapassam o campo do físico, tornando necessária uma investigação do campo psíquico para entendê-las. Acompanhando o pensamento do psicanalista francês Didier Anzieu, o qual estabelece uma relação de correspondência entre o aparelho psíquico e a superfície do corpo, Maria Carolina Garcia, em sua tese de doutorado realizada no Instituto de Psicologia (IP) da USP, propõe que os conceitos de Eu-pele e envelopes psíquicos do autor, permitem um maior esclarecimento da questão dos limites psíquicos nas patologias alimentares. 

Os envelopes psíquicos representam os limites do espaço psíquico de cada indivíduo. Eles se formam ainda na primeira infância e dependem, em grande escala, da relação do bebê com a mãe — que quando é comprometida pode acarretar falhas nos limites psíquicos. “As patologias alimentares estão ligadas às dificuldades que dizem respeito à possibilidade de construção dessas fronteiras e limites do psiquismo”, explica Garcia. Por essa razão, a anorexia pode surgir como uma defesa contra o medo de invasão de objetos estranhos (pessoas, relacionamentos, comida, entre outros) e maneira de estabelecer limites. 

Para desenvolver o assunto e o conceito de Eu-pele, a pesquisadora retoma alguns dos paralelos estabelecidos por Anzieu. Se entre as funções da pele encontram-se as de proteger o corpo e atuar como fronteira que separa o externo e o interno — ao mesmo tempo, colocando-os em contato —, também o Eu se desenvolve apoiado nessas funções. “Desse modo, o Eu-pele igualmente envolveria, protegeria, conteria e delimitaria o psiquismo, assim como permitiria o contato entre a realidade interna e externa” esclarece.

Relação com o corpo

Para a pessoa com anorexia ou bulimia, o corpo constitui sua maior preocupação, mesmo que em muitos casos, principalmente em uma análise já avançada, ela se dê conta de que há um exagero nesse cuidado. Um dos principais sintomas presentes na anorexia é a distorção da imagem corporal, que leva o paciente a se enxergar de forma que não condiz com a realidade — geralmente com um peso superior ao que de fato está. 

No entanto, as doenças também podem se manifestar dificultando a percepção de sensações internas, como o sono, a fome e o cansaço, por exemplo. “A vida das pessoas com patologias alimentares acaba sendo organizada em função de sua relação com o corpo. Para emagrecer ou para mantê-lo magro, exercitam-se ao limite, deixam de frequentar reuniões nas quais acabariam comendo ou bebendo algo e dormem pouco por acreditarem que dormir estimula o ganho de peso”, conta a pesquisadora.

Nos pacientes com tais doenças, é possível identificar tanto um controle extremo, como um descontrole na relação com o alimento. “Se na anorexia há uma verdadeira sujeição à necessidade de controle, na bulimia temos o quadro contrário”, comenta Garcia. Segundo a psicóloga, pode-se dizer que existe a presença de uma homologia entre a relação que o paciente estabelece com a comida e seu funcionamento mental. “Numa pessoa bulímica, da mesma forma que ela precisa devorar a comida, ela terá, em suas relações, uma necessidade de, metaforicamente, ‘engolir’ o outro. É o excesso com a comida e o excesso com o outro”.

Já na anorexia, há a recusa do alimento. Estabelece-se a necessidade de manter distância do objeto, no caso, a ingestão de comida, vista como algo ameaçador — do mesmo modo, a aproximação no relacionamento com o outro também ameaça. De acordo com Garcia, uma característica importante é que a relação com o objeto-comida acaba, muitas vezes, praticamente substituindo a relação das pacientes com seus outros objetos de investimento, sejam eles, pessoas, trabalho, estudos. “Tudo gira em torno da comida: não comer, o que comer, a que horas comer, quantas vezes, o que pode e o que não pode, se vai vomitar ou não vai. O mundo fica resumido a essa batalha mental”, afirma.

De acordo com a pesquisadora, em geral, são as adolescentes ou mulheres jovens que mais apresentam quadros de anorexia e bulimia, mas as pesquisas indicam um aumento nos casos de patologias alimentares na população masculina. A adolescência, momento de grandes mudanças, físicas e psíquicas, é uma etapa de muita vulnerabilidade. “O aparecimento de um ‘novo’ corpo, não mais infantil, porém ainda não adulto, e a forma como a menina atravessa tudo isso é, evidentemente, diferente da forma como o menino atravessa”, assinala Garcia. 

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