Na hora de montar uma empresa, muita gente não sabe quantos funcionários contratar (isso quando a grana permite ter empregados). Independentemente do tipo de negócio, é sempre importante ter a quantidade certa de pessoas na equipe para que o patrão não desperdice dinheiro contratando mais gente do que é necessário, ou sobrecarregando empregados pra economizar. Esse pensamento também é válido nas instituições públicas brasileiras, como as Unidades de Saúde da Família (popularmente conhecidas como "postos de saúde"). Daiana Bonfim, enfermeira, desenvolveu doutorado na Escola de Enfermagem da USP, e propôs parâmetros para calcular a quantidade de profissionais necessários para qualquer Unidade de Saúde da Família do Brasil.
Existem hoje no país aproximadamente 35 mil equipes trabalhando em Unidades de Saúde da Família, e cada uma delas atende, em média, de três a quatro mil pessoas. Atualmente, a quantidade de profissionais em cada "posto de saúde" é calculada de acordo com a composição de equipe mínima proposta pela Política Nacional de Atenção Básica, atualizada em 2012 pelo Ministério da Saúde. "Só que o problema é que nem sempre a quantidade de profissionais proposta é suficiente para atender as demandas e diversidades encontradas nas Unidades de Saúde da Família distribuídas no território Brasileiro", alerta a enfermeira.
Mas então como elaborar um modelo para o cálculo de profissionais em Unidades Básicas de Saúde? Daiana teve como parâmetro inicial o método proposto por sua orientadora, Raquel Rapone Gaidzinski, que é guiado pela carga de trabalho de cada profissional dos "postos de saúde". Para estabelecer uma proposta de modelo, Daiana verificou, com o Ministério da Saúde, quais eram as melhores Unidades de Saúde da Família com base nos resultados da avaliação do Programa de Melhoria de Acesso e Qualidade – Atenção Básica (PMAQ). Foram selecionadas 27 unidades, em 12 cidades de 10 estados, e cada uma delas foi visitada por uma equipe de observadores supervisionada pela Daiana. Eles registraram, a cada 10 minutos, quais atividades e intervenções os profissionais realizavam durante a jornada de trabalho. "A diversidade dos municípios bem como das Unidades de Saúde da Família incluídas na pesquisa foram fundamentais para subsidiar parâmetros tanto a nível nacional, como por estrato sócio econômico demográfico dos municípios proposto pelo PMAQ”, comenta Daiana. A equipe de observadores ficou durante uma semana em cada "posto de saúde", e realizou aproximadamente 40 horas de observação por semana.
Ao final desse processo de visitação, foram realizadas aproximadamente 27 mil observações dos profissionais de enfermagem, e 80 mil quando incluídos todos os profissionais que compõem a equipe mínima de todas as 27 Unidades de Saúde da Família visitadas no Brasil. Com essa quantidade de registros, a pesquisadora classificou as atividades e intervenções observadas de cada profissional.
Os enfermeiros gastam, em média, no Brasil 59% do tempo de trabalho em intervenções (cuidado direto e cuidado indireto), 7% em atividade associada, 13% com atividade pessoal, 3% em espera, 15% ausentes, e 3% não foi observado .
Já a distribuição percentual média da jornada dos técnicos e auxiliares de enfermagem no Brasil foi de 41% em intervenções, 13% atividade associada, 16% atividade pessoal, 16% tempo de espera, 12% ausência, e 2% não foi observado.
Apesar do percentual de atividades pessoais parecer elevado, ele está em conformidade com números registrados em outros países, segundo Daiana.
Para a enfermeira que coordenou a pesquisa, “um outro dado encontrado com as observações é o tempo efetivo de trabalho, que pode chegar a percentuais em torno de 80% a 85% se o tempo em espera e a ausência dos profissionais forem melhor aproveitados”, explica a enfermeira.
A partir da obtenção de todos esses números e constatações, Daiana chegou a parâmetros nacionais, regionais e por estrato sócioeconômico demográfico (PMAQ-AB) para calcular quantos profissionais são necessários em cada Unidade de Saúde da Família, levando em conta as especificidades de cada uma delas. "Tem unidades, por exemplo, que possuem muitos idosos, e outras que atendem muitas crianças. Além disso, uma USF em São Paulo é completamente diferente do que a de uma cidade do interior do estado do Amazonas. Queríamos disponibilizar parâmetros para cálculo de profissionais que abrangessem todas essas unidades, com todas as diferenças dos territórios – e ao que tudo indica até agora, conseguimos isso", justifica.
Nos próximos meses, a enfermeira começará a agendar novas visitas a Unidades de Saúde da Família para fazer testes dos parâmetros encontrados durante o doutorado. Além disso, calculam de forma científica, e não empiricamente, a quantidade de profissionais necessários para cada Unidade de Saúde da Família do país todo.
E Daiana sonha alto: "a ideia é que os parâmetros possam ser um dos referenciais para subsidiar os processos decisórios e influenciar políticas públicas de planejamento da força de trabalho no Brasil”. Todos saem ganhando – sociedade e pesquisadora.