ISSN 2359-5191

26/02/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 21 - Saúde - Departamento de Fonoaudiologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional
Novo programa de estímulo fonológico trabalha com todos os tipos de transtorno
Pesquisadora da USP cria modelo que abre portas para atendimentos coletivos e encurta tempo de tratamento
Através de jogos, transtornos fonológicos são tratados em novo programa / Fonte: Thais Zemlickas

A dificuldade de se comunicar de crianças ainda em desenvolvimento é tão comum na população brasileira que é representada por um personagem infantil famoso por trocar os ‘erres’ pelos ‘eles’, o Cebolinha. Esta troca faz parte de um conjunto de alterações de fala e linguagem, chamado de transtorno fonológico. Além da alta ocorrência, o transtorno fonológico é motivo de preocupação também pela dificuldade no tratamento. As manifestações são diversas em cada criança, assim, os tratamentos usuais focam na especificidade de cada uma, realizando atendimentos individuais. Com o número pequeno de fonoaudiólogas, principalmente no sistema público de saúde, o tratamento acaba sendo demorado e muitas crianças vão piorando. Pensando nisso, Thais Zemlickas, em conjunto de sua orientadora Haydée Fizsbein, utilizou sua dissertação de mestrado, Programa de estimulação fonológica em crianças com transtorno fonológico, para criar um novo programa que abordasse todos os transtornos possíveis na língua portuguesa brasileira.

Para criar o programa, Thais baseou-se em aspectos que estudos e modelos terapêuticos já utilizam no tratamento de transtorno fonológico, como respeitar o desenvolvimento da criança e a seleção dos sons. A ideia é que o programa sirva como um primeiro tratamento geral para todas crianças, e que, caso ainda tenham problemas, sejam redirecionadas ao tratamento específico. O grande diferencial é aplicar todos estes conhecimentos prévios em um só programa de estimulação. O modelo acontece em 12 sessões, com um grupo de específicos sons sendo trabalhado a cada duas sessões. Em cada encontro são feitas 7 atividades abordando as áreas de processamento fonológico, que são a auditiva, motora e cognitiva, através de jogos como bingo e jogo da memória. Integrar todos os sons e áreas é o objetivo, modificando a maneira que a criança e o profissional enxerga o transtorno. “O grande diferencial é propor um período de tratamento fechado que vai olhar todos os sons consonantais do português brasileiro, apresentados em grupos por semelhanças, e que são submetidos a essas 7 atividades”, comenta Haidée. “Não tem só o que é difícil, como os outros programas terapêuticos, nesse caso além do som problemático também há o som que ela tem facilidade”, completa.

Para verificar a eficácia do tratamento, Thais avaliou cerca de 60 crianças. Devido a uma série de critérios de inclusão de rigor metodológico, restaram 14 crianças, de idade entre 5 e 7 anos e 11 meses. Estas crianças participaram de quatro sessões iniciais para primeira avaliação, das 12 sessões de estimulação e, por fim, de mais quatro sessões para avaliação final. As sessões ocorreram em uma das clínicas do próprio departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional.

Thais percebeu que, ao ser estimulado o som que se tem facilidade e o que se tem dificuldade da mesma maneira, a criança começa a compará-los, agilizando o processo de melhora. Além disso, por englobar todos os transtornos fonológicos, o programa pode ser aplicado em duplas ou grupos. Este atendimento coletivo diminui a fila de espera ao tratamento, e também tem um efeito motivacional, pois as crianças acabam mais estimuladas na presença de um colega. O objetivo inicial era criar um programa em que fosse possível trabalhar crianças diferentes em conjunto, mas ao final do estudo outras boas surpresas foram obtidas. “Muitos dos pacientes que participaram da pesquisa ficaram como meus pacientes depois, e muitos deles acabaram sendo dispensados logo, diferentemente dos que não participaram do programa. Então pude perceber que o programa agilizou o tratamento”, destaca Thais.

A pesquisa já está sendo levada a frente por outros fonoaudiólogos que acreditam que esta mudança de visão é extremamente importante na evolução do tratamento. Com a possibilidade de atender ao mesmo tempo e com a mesma atenção crianças com diferentes transtornos fonológicos, e com a comprovação da aceleração na melhora dos pacientes, as pesquisadoras também têm a expectativa de implantar o programa em Unidades Básicas de Saúde (UBS), auxiliando na alta demanda que o sistema de saúde recebe anualmente. “O que temos como expectativa é que seja um programa que possa ser aplicado em Unidades Básicas de Saúde, na porta de entrada do sistema público. E como esse é o transtorno mais ocorrente na população infantil, com a aplicação do programa um maior número de crianças pode ser atendida” diz Haidée.

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