O Largo da Batata, região localizada no bairro de Pinheiros, zona oeste da cidade de São Paulo, passou pelo chamado processo de “reconversão urbana”, iniciado em 2007. A reforma envolveu a extensão da avenida Faria Lima, a realocação do terminal de ônibus e a transformação de duas quadras em uma ampla praça e uma estação de metrô. A área, conhecida por abarcar uma extensa estrutura de transporte público e caracterizada pela atividade de comércio popular, sofreu diversas alterações em função das reformas – tanto na paisagem quanto nas formas de ocupação do espaço.
“A formação do caráter comercial da área esteve ligada ao comércio atacadista de produtos agrícolas no início do século 20 e, mais recentemente, à presença massiva de trabalhadores que faziam baldeações no terminal de ônibus instalado no local, com linhas conectando a região central às periferias a oeste do rio Pinheiros”, como esclarece o pesquisador Daniel Ávila Caldeira em sua dissertação Largo da Batata: Transformações e Resistências, defendida em 2015 na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
Comerciantes locais foram afetados negativamente pelas obras e pela reorganização do transporte coletivo. Houve uma significativa perda de clientela e alta do preço dos aluguéis na região, em função dos empreendimentos imobiliários em ascensão.
Pensando nessas modificações, o pesquisador escolheu o local para propor uma investigação a respeito da influência da infraestrutura de transporte sobre o valor da terra e, por consequência, o impacto causado no uso do solo. "Me parece que o Largo da Batata traz uma confluência rara de intervenções públicas – o metrô, a nova praça, a Operação Urbana Faria Lima, que atua dando incentivo à incorporação imobiliária, isso tudo em uma região caracterizada pelo pequeno comércio", explica. Queria ver como essa estrutura do Estado e do capital intervindo no território tinha impacto sobre a atividade comercial."
Na primeira fase da pesquisa, Daniel Caldeira realizou um levantamento de documentos, leis, escrituras e matrículas de imóveis relacionadas ao bairro. "Queria saber quem eram os donos, e se as propriedades eram pulverizadas. A primeira hipótese é a de que muitos proprietários diferentes dificultam a incorporação pelo mercado imobiliário", esclarece.
Outra questão abordada na tese foi a investigação de uma suposta atividade do mercado imobiliário antes da conclusão das obras. “O número de lançamentos é recente, mas existia a hipótese de que o mercado já estava atuando antes da reforma, influenciando os projetos da Prefeitura do metrô. Para isso se confirmar, seria necessário comprovar que anos antes os terrenos já tinham sido comprados."
A hipótese foi refutada. De acordo com o trabalho de pesquisa, os processos de conclusão de obras e incorporação dos terrenos por imobiliárias ocorreram de maneira simultânea. "São muitos agentes atuando na região – o Metrô, responsabilidade do governo, o terminal, da Prefeitura, a atividade imobiliária privada. E tudo acontecendo ao mesmo tempo. É uma dificuldade muito grande é saber o que veio antes."
Daniel também entrevistou moradores e comerciantes locais para entender como a chegada da "reconversão urbana" afetou suas rotinas. Algumas das mudanças apresentam, também, aspectos positivos: "Conversei com uma representante da Associação do Mercado de Pinheiros e com o dono de um bar tradicional da região. Ambos falaram sobre a existência de um público novo mais jovem, com maior poder aquisitivo. Além disso, a demanda de funcionários de escritórios da região também aumentou, especialmente na hora do almoço. O bar passou a servir almoço e o Mercado de Pinheiros, nessa transição, começou a incentivar os ‘boxes’ de restaurante, não só de venda de produtos”, explica.
O pesquisador avalia a motivação do comércio de apresentar novos produtos como uma espécie de estratégia de adaptação. Entre essas estratégias, também se enquadram alterações que, na visão dele, são mais subjetivas: “Na observação de campo notei alterações nas fachadas, mudanças na identidade visual dos estabelecimentos e até mesmo no repertório musical apresentado em bares e restaurantes, em função desse novo público.”
Uma das maiores dificuldades da pesquisa, para ele, foi o resgate de informações do período que antecede o início das reformas. Muitas informações não foram encontradas integralmente e a rapidez das modificações geradas pelas obras dificultou o estabelecimento de comparações. “Se eu for lá hoje, já vai ter uma série de mudanças desde que eu fiz a pesquisa. Meu mapa reflete apenas aqueles dois meses.”
Do que Daniel Caldeira pôde mapear, existe uma concentração de estabelecimentos comerciais voltados para um público de alto poder aquisitivo ao norte do Largo da Batata. Na diretriz leste-oeste, que ele define pelas ruas Paes Leme e Teodoro Sampaio, é notável a permanência de redes varejistas e também de um núcleo de comércio especializado, que tem sofrido pressão do mercado imobiliário.
Mesmo diante de um cenário de pressão para a transformação de uso, algumas das atividades antigas do bairro ainda apresentam certa resistência. É marcante a manutenção de pequenos estabelecimentos de produtos e serviços, atrelados, muitas vezes, a empresas familiares. A concentração dessas atividades de pequena escala se dá fora dos espaços atravessados diretamente pelos grandes eixos que cortam o bairro, como a Faria Lima e o corredor Paes Leme-Teodoro Sampaio. “A morfologia fundiária fragmentada e de conformação antiga, assim como o relativo isolamento dos principais corredores de transporte, onde a valorização imobiliária recente foi mais acentuada, deve ter contribuído para a permanência dessa tipologia comercial”, explica Daniel Caldeira.
“Existe um vetor de transformação no bairro que claramente está relacionado à valorização imobiliária, ao metrô e às obras públicas. Mas também existe outro território que se mantém ou que realiza pequenas adaptações”. Conforme a inauguração e a ocupação dos empreendimentos se desenvolvem, mais pessoas serão atraídas para o bairro e os rumos da ocupação do espaço devem ser os mais distintos. Mas, como Daniel Caldeira pontua na pesquisa, uma definição clara de “qual futuro está reservado para o Largo da Batata, depende de uma diversidade de processos ainda em curso, que embora estejam em ritmo acelerado são, em boa medida, imprevisíveis.”