Com base na legislação espanhola, pesquisadores da Faculdade de Odontologia da USP buscam padronizar os procedimentos de análise do dano estético na perícia brasileira. Atualmente, não há diretrizes explícitas a respeito desse processo no Código Civil Brasileiro. Isso significa que a forma da compensação das pessoas envolvidas em acidentes varia de acordo com os peritos cirurgiões-dentistas e os juízes.
Segundo o pesquisador Mário Marques Fernandes, a Espanha fez um grande avanço nessa área ao aprovar a Lei 35/2015, que padroniza a atuação desses profissionais. “Nessa Lei, existe claramente uma divisão entre os diferentes tipos de danos (materiais, morais e estéticos), contendo tabelas com valores passíveis de enquadramento das vítimas de acidente conforme o resultado da avaliação”, ele afirma. Nesse método, os peritos contam com o auxílio de um questionário para avaliar os danos causados e, assim, recompensar as vítimas de forma justa.
A análise do dano
O segundo capítulo do Código Civil Brasileiro trata de indenizações. Os incidentes previstos na lei incluem homicídio, impedimento da exerção de trabalho remunerado e lesão ou ofensa à saúde. É nesse terceiro item que se exerce a análise do dano: nesses incidentes, a indenização à parte ofendida depende da análise do perito e da interpretação do juiz - o código afirma que “a indenização mede-se pela extensão do dano”. O uso de um protocolo unificado pode reduzir discrepâncias nesse sentido, uma vez que diminui a dependência de fatores subjetivos.
O grupo de pesquisa fez uma visita técnica ao município de Saragoça, na Espanha, para conhecer o precursor do método no qual a lei se baseia: Juan Antonio Cobo Plana. Nessa visita, analisaram a sua aplicação em pessoas acidentadas e comprovaram a possibilidade de seu uso forense. O próximo passo foi traduzir e adaptar para a cultura brasileira o questionário utilizado pelos peritos.
Para garantir uma tradução fiel, os pesquisadores reuniram um grupo de especialistas para sanar dúvidas sobre a correspondência de palavras e expressões específicas. Nesse comitê, estavam presentes um professor de espanhol e um de português, o criador do método espanhol e os responsáveis pela pesquisa. Dessa forma, o questionário brasileiro se tornou aplicável à realidade do país sem perder sua essência.
Os métodos e a sua prática
Depois de elaborar o questionário, os pesquisadores partiram para a fase seguinte do estudo: a verificação do método na prática. O principal obstáculo nessa fase foi a impossibilidade de produzir o dano em laboratório - afinal, não seria viável criar lesões nos modelos voluntários. A princípio, só havia duas opções: analisar uma pessoa que já tivesse lesões supondo como ela era antes ou analisar um modelo sem qualquer lesão. Nenhuma das duas possibilitaria a validação do método.
A solução foi simular as lesões com maquiagem - a mesma técnica utilizada em efeitos especiais. “Talvez neste momento entre a nossa contribuição para as pesquisas forenses”, afirma Marques. Com essa técnica, os peritos puderam analisar fotografias das mesmas pessoas com e sem lesões. Assim, foi possível aplicar o método sem infringir nenhuma norma ética de pesquisa.
Os resultados dessa verificação foram positivos, e demonstram que o método espanhol pode ser aplicado à realidade brasileira. Contudo, Mário afirma que sua pesquisa não engloba todo o processo de análise do dano estético: “Validamos o método para uso com cicatrizes na face, porém mais estudos ainda precisam ser feitos incluindo outros aspectos da avaliação, como, por exemplo, quando se perde dentes.”