Alunos do ensino médio de colégios particulares migraram mais para escolas públicas após a implementação da Lei de Cotas de 2012, segundo pesquisa da Faculdade de Administração, Economia e Contabilidade (FEA) da USP. A Lei, que destina 50% das vagas em todas as instituições federais de ensino superior para alunos que estudaram o ensino médio integralmente na rede pública, foi responsável por aumentar em até quase 30% as transferências da rede privada para a rede pública de ensino.
A causa principal está no interesse do aluno em se beneficiar da Lei. Entre 2008 e 2011, cerca de 7% dos alunos matriculados no 9º ano em escola privada mudavam para rede pública no ano seguinte. Em 2012, ano em que a Lei foi sancionada e divulgada para valer em 2013, a taxa de migração saltou para 10%. Hoje, está quase 20% superior. Os dados são de Minas Gerais, estado brasileiro com maior número de universidades federais.
“Quando analiso outros grupos que não são afetados pela Lei, como os alunos matriculados no 5º ano do Ensino Fundamental ou no 1º ano do Ensino Médio, ambos em escolas privadas, não observo o mesmo fenômeno de aumento expressivo na migração”, avalia Thiago Cardoso, responsável pela pesquisa. Segundo ele, o fenômeno é capaz de acarretar uma série de impactos ainda não levados em consideração pela formulação da Lei de Cotas.
Para chegar ao resultado, o pesquisador utilizou dados individuais de todos os alunos matriculados no Ensino Básico no Brasil, fornecidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Por meio de um código de identificação, foram analisados todos os alunos matriculados no 9º ano do Ensino Fundamental em escola privada que mudaram para escola pública no ano seguinte.
O “alto” e o “baixo padrão”
A pesquisa constatou que o número de transferências é menor em escolas particulares consideradas de elite. Baseados em indicadores de infraestrutura e formações dos docentes, os colégios privados de alta qualidade não apresentaram variação na porcentagem de migração do período analisado.
Para Cardoso, a causa está na diferença da qualidade de ensino. “É possível que um aluno proveniente de colégio particular de elite reduza sua probabilidade de ingressar em universidade federal ao mudar para escola pública”, explica. Só na Universidade de São Paulo, considerada a melhor do Brasil, 64% dos alunos são oriundos da rede privada de ensino.
Já os colégios particulares de menor qualidade sofrem com aumento de migração. Dados mais recentes do Ideb, de 2013, mostram que a nota da rede privada de ensino brasileira é de 5,7, numa escala de zero a dez. A rede pública possui 3,4. Ainda assim, as transferências são de até 30%. “Em alguns casos, colégios privados de menor qualidade possuem avaliações piores que de muitas escolas públicas”, diz o pesquisador. Para ele, nessas situações, há chances dos alunos se beneficiarem.
Medindo as consequências
O pesquisador acredita que, pelo menos em curto prazo, a migração observada não acarretará grandes impactos na rede pública de ensino. Segundo dados do Ministério da Educação (MEC), as matrículas da rede privada representam 18,3% do sistema, contra 81,7% do ensino gratuito. “Um aumento de 30%, apesar de expressivo e significativo, não representa uma grande maré de alunos para a rede pública”, explica Cardoso.
As alterações estariam concentradas principalmente sobre o mercado de colégios particulares de menor qualidade. Para o pesquisador, essas escolas seriam pressionadas a melhorar o ensino para não perder alunos ou sumiriam do mercado. “Faz pouco sentido para uma família optar pagar uma mensalidade, mesmo que baixa, por uma escola que, além de ser tão boa quanto a escola pública de seu bairro, não oferece o mesmo benefício no acesso ao ensino superior”, diz ele.
De acordo com a Lei, todas as universidades, institutos e centros federais deverão se adaptar até agosto desse ano. Metade das vagas deverá ser destinada à ampla concorrência e a outra metade será dividida por critérios de rede de ensino, cor e renda familiar. Alunos que cursaram escola particular com bolsa integral, ou que concluíram o ensino médio através de Educação de Jovens e Adultos (EJA) e do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) não são beneficiados.
Em São Paulo
No caso do estado de São Paulo, o estudo não identificou aumentos significativos na taxa de migração para rede pública entre alunos do 9º ano. Segundo o pesquisador, o resultado faz sentido, já que o ensino superior público da região é composto majoritariamente por instituições estaduais, que não foram obrigadas a implementar as cotas impostas pela Lei.
A USP e a Universidade de Campinas (Unicamp) decidiram adotar o sistema de bônus, em que uma pontuação extra é cedida a alunos de baixa renda — em até 15% na USP, destinada a alunos de escola pública. Das universidades paulistas, apenas a Unesp (Universidade Estadual Paulista) aderiu às cotas sociais e raciais. No caso da USP, a decisão contrária às cotas foi “aprovada pelo Conselho Universitário em 2006 e tem como premissa principal a meritocracia”.