ISSN 2359-5191

13/04/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 38 - Saúde - Escola de Enfermagem
Políticas de nutrição infantil são insuficientes e pouco difundidas
Obesidade e anemia entre crianças persistem, apesar das campanhas governamentais
O consumo de alimentos não saudáveis entre as crianças é grande / Fotomontagem com imagens de divulgação

Há no Brasil uma série de programas do governo para melhorar a alimentação infantil. Apesar disso, pesquisa divulgada no ano passado pelo Ministério da Saúde indicou que mais de 30% das crianças com menos de 2 anos consomem refrigerante e suco de caixinha, e mais de 60% comem biscoitos e outros doces industrializados. Para piorar, a prevalência de anemia nessa faixa etária chega a 67,6%. Dado essas estatísticas alarmantes, um grupo de pesquisa da Escola de Enfermagem da USP resolveu fazer uma intervenção com enfermeiros de UBS, mas acabou descobrindo que o problema era maior do que esperavam.

A proposta era capacitar profissionais da atenção básica e analisar os efeitos da intervenção tanto nos próprios enfermeiros quanto nos seus pacientes. Fizeram parte da pesquisa 53 funcionários de UBS e 358 pares de mãe e filho foram atendidos. Antes da capacitação, mais de 40% das crianças apresentavam anemia, quase 30% tinham risco ou já estavam com sobrepeso e o consumo de industrializados era generalizado entre elas. Os profissionais também apresentavam problemas, sendo que apenas 4% foram avaliados com conhecimento adequado. Após a intervenção, 70% dos funcionários apresentaram conhecimento satisfatório, mas a maioria não conseguia colocá-lo em prática. Isso ficou claro nos resultados finais com os pacientes: o consumo de doces e industrializados se manteve alto, e o risco de sobrepeso aumentou. As pesquisadoras atribuíram o resultado não muito favorável a diversos fatores.

Despreparo profissional

Um dos grandes problemas enfrentados foi o despreparo por parte dos enfermeiros sobre a orientação ideal. A maioria deles, quando fazia recomendações alimentares aos pacientes, indicava medidas genéricas e não relativas a cada caso. Assim, raramente o aconselhamento dado era efetivo. De acordo com Cláudia Palombo, uma das pesquisadoras, “os profissionais têm visão autoritária do aconselhamento. Aconselhar não é dar conselho, é ouvir, perceber e apoiar a mãe e a criança em cada situação.”

Além disso, muitos dos profissionais não tinham conhecimento básico sobre a avaliação nutricional infantil, de forma que não poderiam dar a orientação correta para cada situação. As pesquisadoras relataram que alguns dos funcionários de UBS que fizeram parte da capacitação não preenchiam a caderneta de saúde da criança para poder comparar seu peso, sua altura e crescimento em gráficos. Eles também não tinham o hábito de fazer hemogramas (exame de sangue que indica anemia) de rotina nas crianças. Portanto, não sabiam se o paciente estava com sobrepeso ou baixo peso, se tinha ou não anemia e, por isso, aconselhavam de maneira genérica.

Verticalidade nos programas do governo

Outro problema, mas dessa vez com aparência de solução, são as políticas públicas de saúde. São diversas medidas que prometem melhorar os distúrbios nutricionais das crianças no Brasil, como a Política da Atenção Básica, a Política de Atenção Integral à Saúde da Criança, o Guia Alimentar e o Programa Nacional do Suplemento de Ferro. Na teoria, todos eles representam importantes combates dos problemas de nutrição no país, por incentivar e ensinar uma alimentação correta além de dar atenção especial aos pacientes. Porém, muitos deles são mal aplicados e mal difundidos e por isso não repercutem com resultados significativos.

Além de os profissionais não terem contato com os programas governamentais, eles são mal difundidos. No caso da profilaxia do ferro, que, segundo a proposta do Ministério da Saúde, deveria ser dado para todas as crianças de 6 meses a 2 anos, os funcionários pesquisados só davam em situações de anemia extrema. Outro exemplo da má divulgação das políticas públicas é o caso do guia alimentar, que perde sua função de orientar as famílias e profissionais sobre dietas mais saudáveis e os perigos dos produtos ultraprocessados, pois quase nunca chega às mãos dos pacientes e, como mostrou a experiência de pesquisa da EE-USP, acaba ficando guardado e sem uso. Para Cláudia, falta “uma vontade política para fazer com que esses programas funcionem, uma melhora na capacitação de profissionais e uma divulgação melhor”.

Falta de incentivos maiores

Há, todavia, algumas medidas que são mais efetivas na mudança de alimentação. Contudo, para que isso aconteça, é preciso que os programas sejam mais incisivos. O estado nutricional das crianças envolve diversas variáveis além da própria orientação profissional, como hábito, cultura e condições socioeconômicas da população. Portanto, para reverter essas realidades é preciso que haja políticas de taxação fiscal e proibição de propagandas.

Existem exemplos no exterior de aplicação de medidas assim no combate à obesidade infantil e outros problemas nutricionais. Na Inglaterra, é proibido o uso de mascotes em publicidade de alimentos; no Chile, alimentos com alto teor de gordura, sódio, açúcares e calorias não podem ser comercializados ou ter seu consumo incentivado a menores de 14 anos; no Peru, as escolas e instituições educacionais devem realizar programas de orientação alimentar e monitorar o estado nutricional de seus alunos.

No Brasil, projetos de lei como esses já foram propostos e alguns estão em tramitação, mas a maioria é vetada. Porém, foi aprovada uma norma de 2006 que proíbe propaganda de leites artificiais, mamadeiras, chupetas e papinhas, além de exigir avisos sobre a importância da amamentação em produtos lácteos e relacionados. Essa medida, somada aos inúmeros incentivos ao aleitamento materno feitos pela estratégia Alimenta Amamenta Brasil, tem tido resultados importantes. Segundo o Ministério da Saúde, de 1996 a 2008, o aleitamento materno exclusivo de crianças com menos de 4 meses aumentou de 35% para 51%.

Dessa forma, para enfrentar todos os obstáculos que o incentivo a uma boa alimentação encontra no caminho, medidas mais rígidas como essas precisam ser implantadas. Leis que vão na contramão do consumo de produtos industrializados e gordurosos são aplicadas causam mais impacto do que incentivos à compra de comidas caras, mas saudáveis.

Os problemas de nutrição infantil continuam grandes. “O Brasil esta saindo do estado de desnutrição para o de sobrepeso. Era pra termos melhorado com as novas tecnologias e estudos só que estamos indo de um problema para outro”, lembra outra pesquisadora da EE-USP, Luciane Simões. “Diversas estratégias têm sido aplicadas para mudar essa realidade, mas o que se percebe é que não há avanços, talvez por problemas econômicos e sociais, talvez pela verticalidade dos programas e falta de conhecimento profissional.”

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