Estudos desenvolvidos pelo Laboratório de Biologia da Reprodução e Matriz Extracelular do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, sob a orientação da Professora Telma Maria Tenório Zorn, vêm mostrando que há uma forte relação entre complicações reprodutivas e gestacionais com o diabetes do tipo 1, situação em que o indivíduo não produz insulina, hormônio cuja função é mobilizar a glicose da corrente sanguínea levando-a para os tecidos.
Etapas do estudo
Nessa linha de pesquisa, a equipe de pesquisadores tem investigado qual seria o efeito do diabetes mellitus tipo 1 no processo de reprodução em modelos experimentais. Os primeiros estudos constataram alterações no ciclo estral das camundongas portadoras de diabetes tipo 1 - quando comparadas com fêmeas saudáveis. “Alterações no ciclo estral, ciclo reprodutivo na maioria das espécies mamíferas, significam que aquela fêmea vai ter dificuldade no acasalamento e problemas para se reproduzir. Como de fato ocorreu”, explica a professora.
Os pesquisadores, então, passaram a estudar o ambiente intrauterino das fêmeas que conseguiram acasalar. A principal alteração notada foi a diminuição do tamanho do útero das fêmeas diabéticas durante o período gestacional, o que dificulta o desenvolvimento completo do feto. Outro dado importante diz respeito a alterações no miométrio, estrutura do útero responsável por sua contração no momento do parto para expulsão do feto. “A primeira coisa que nós observamos foi uma diminuição significativa no tamanho do útero. Se útero não cresce como deveria, consequentemente, o embrião também não. Outra observação importante que fizemos naquela ocasião foi que o diabetes tipo 1 promove alterações na organização das células do miométrio. Se o miométrio estiver alterado, certamente ocorrer dificuldades no parto”, detalha.
Realizados esses estudos, a professora Telma e sua equipe passaram a investigar se as alterações, promovidas pela diabetes tipo 1 no ambiente intrauterino, são capazes de interferir no desenvolvimento do feto de maneira que os filhos desses animais sejam afetados ao longo da vida adulta. Esse fenômeno é conhecido cientificamente como “reprogramação fetal”. Esclarecer essa questão é o tema do projeto de doutorado de Raony Morais, sob a orientação da professora Telma Zorn. Raony, que também conversou com o portal AUN, deu detalhes desse trabalho que ele desenvolve no momento.
Observações da pesquisa
O doutorando Raony conta que a reprogramação fetal é um assunto que vem sendo amplamente discutido e ganhou um forte impulso após as observações feitas pelo cientista inglês David Barker na década de 1980. Na ocasião, Barker notou que os indivíduos que foram expostos a condições que limitam seu desenvolvimento apresentam um mecanismo de adaptação particular, o que predispõe a disfunções ou doenças ao longo da vida. É a hipótese do Fenótipo Poupador. “Em teoria, para driblar essas situações que limitaram seu desenvolvimento, o embrião ou feto, para se poupar, lançou mão de algumas adaptações como o crescimento retardado”, explica Raony.
Com base nessas observações, foi composto um projeto de pesquisa que constitui a tese de doutorado de Raony. O estudo está ainda em andamento e tem como objetivo verificar se a condição de diabetes tipo 1 pode interferir no desenvolvimento embrionário, com foco em particular nos rins dos fetos.
Foi nas estruturas microscópicas dos rins, responsáveis por retirar as impurezas da corrente sanguínea e as descartar na urina, que o doutorando encontrou alterações. “Temos observado algumas alterações mais discretas, a nível microscópio, que poderiam, de algum modo, acabar por interferir ao longo da vida desses animais”, conta. Para essas alterações, os cientistas dão o nome de reprogramação fetal. Existe muita confusão em torno desse termo, pois acredita-se que a reprogramação implica em alterações no DNA, o que de fato não ocorre, explica Raony. A reprogramação fetal caracteriza-se por uma mudança permanente que acontece durante o período desenvolvimento daquele feto, em resposta a uma condição limitante, e que acarretará reflexos na vida adulta.
A professora Telma Maria Tenório Zorn e Raony Morais esclareceram que, assim como outros órgãos, os rins sofrem um processo natural de envelhecimento, o que resulta em falhas funcionais à medida que o indivíduo avança na vida adulta. Explicaram ainda que, devido a falhas durante o desenvolvimento, como da reprogramação fetal, mudanças permanentes ocorrem naquele órgão, fazendo com que essas alterações típicas do envelhecimento possam aparecer mais cedo. Raony faz ainda mais uma ressalva e explica que as pesquisas nessa área estão ganhando força, no entanto, elas não oferecem nenhum diagnóstico preciso a humanos. “O que é muito importante frisar: a partir dos resultados desses estudos, não podemos afirmar necessariamente que o filho de uma mulher que tenha diabetes do tipo 1 deverá nascer com problemas renais”, esclarece o doutorando.