ISSN 2359-5191

14/04/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 39 - Sociedade - Departamento de Fonoaudiologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional
Cooperação e reconhecimento são vitais à saúde mental dos trabalhadores
Relação entre saúde mental e ato de trabalhar é estudada em pesquisa desenvolvida com médicos inseridos no Hospital Universitário da USP
Natalie Majolo

Parte da vida cotidiana, o trabalho tem sido objeto de estudo em diversas áreas. A pesquisadora JulianaBarros decidiu estudar tal atividade, intrínseca ao ser humano. A partir da Psicodinâmica do Trabalho (PDT), Barros, em sua tese de doutorado, tentou compreender a ação de um grupo de médicos inseridos no Hospital Universitário (HU) da USP. Conhecer o trabalho, dar visibilidade aos diversos aspectos envolvidos no fazer destes trabalhadores e destacar componentes das situações de trabalho que permitissem a existência de processos criativos e de produção de saúde, foram os principais aspectos abordados.

Inserida há cerca de seis anos no Laboratório de Investigação e Intervenção em Saúde e Trabalho da Faculdade de Medicina da USP, Juliana já estudava as relações entre trabalho e saúde. Notou que, nos últimos anos, muitas pesquisas desenvolvidas sobre a saúde dos trabalhadores que atuam na área da saúde tratam de processos de adoecimentos já instaurados ou de aspectos do trabalho que podem adoecer os trabalhadores. Em sua pesquisa, optou por inverter essa lógica. “A ideia foi a de compreender como, no caso estudado, o trabalho se mostrava como fator de promoção da saúde e, portanto, contributivo para construção da identidade de sujeitos e coletivos profissionais, e não apenas como fator que pode prevenir processos de adoecimento ou mesmo desencadeá-los”. Mas o que a promoção de saúde dos trabalhadores tem a ver com a construção de identidade?

 

A Psicodinâmica do Trabalho (PDT) e o profissional da saúde

Desenvolvida nos anos 80 por Christophe Dejours, a PDT estuda as relações entre trabalho e saúde mental. Para o psiquiatra e psicanalista, o trabalho e mais precisamente o trabalhar, são considerados fundamentais para a construção da saúde mental das pessoas. Trabalhar, verbo conjugado no infinitivo, representa a ação, ou seja, o fazer que acontece no encontro entre trabalhadores e trabalho. Algumas coisas relacionadas a este fazer podem ser previstas, outras não.

Para resolver todos os imprevistos que aparecem quando se está trabalhando, a inteligência e a subjetividade de cada um é colocada em ação. “Tudo isso impulsiona muitas transformações: transformação de mim mesmo como trabalhador, transformação do meu trabalho, transformação daquele que está trabalhando comigo e do contexto no qual eu estou imerso, por exemplo”, afirma a pesquisadora.

Essas eventualidades que surgem no trabalho geram certo incômodo - o que não é, necessariamente, ruim. Juliana afirma que tudo vai depender de como o trabalho e sua organização respondem a isso. “Se derem espaço para as contribuições individuais e coletivas e reconhecerem a importância delas, por exemplo, este incômodo inicial, que tecnicamente nomeamos como ‘sofrimento’, geralmente torna-se motor de processos criativos e de desenvolvimento não apenas pessoal, mas do próprio trabalho”. Portanto, nestes casos, o trabalho se torna um instrumento para realização de si mesmo.

Caso os trabalhadores estejam expostos constantemente a constrangimentos de ordem física, psíquica e cognitiva, por exemplo, isso pode implicar em perda de iniciativa e de interesse. “O trabalho começa a deixar de fazer sentido para o trabalhador, o que aumenta substancialmente a possibilidade de adoecimento”, diz Juliana.

Sendo o reconhecimento tão vital para que as pessoas possam construir sua saúde mental pela via do trabalho, no caso dos profissionais da saúde, o resultado da ação é imaterial, fato que coloca uma dificuldade a mais para concretização deste processo. Além disso, vários aspectos influenciam nos resultados alcançados, como por exemplo, o vínculo estabelecido entre profissional de saúde e usuário do serviço. “A gente consegue medir, por exemplo, a quantidade de consultas que um profissional faz, ou seja, mensuramos procedimentos profissionais e não o trabalho e, menos ainda, o resultado e a qualidade dele”, destaca a pesquisadora.

Se a saúde dos profissionais de saúde influencia a qualidade do trabalho que desenvolvem, as instituições de saúde deveriam ter como dever cuidar não só da população que elas atendem, mas também dos profissionais que ali trabalham. Juliana afirma que normalmente os estudos são voltados para os próprios pacientes, mas que, nos últimos anos, também se nota o desenvolvimento de pesquisas sobre a saúde dos profissionais que atuam em serviços dessa natureza - tão vital para o bom funcionamento deste sistema.

 

O trabalhar da pesquisadora

Entre os anos de 2013 e 2014, JulianaBarros entrevistou 14 médicos que atuavam no HU. A metade deles ocupava cargos de gestão. Ajudaram a pesquisadora a entender como a instituição funcionava e como o trabalho médico estava organizado. A outra metade dos entrevistados constituiu-se como seu grupo prioritário de estudo: os médicos chefes de plantão. Realizavam, normalmente, um plantão por semana na chefia e, nos demais dias da semana atuavam como médicos assistentes.

Para a pesquisadora, os chefes de plantão ocupam um lugar estratégico para sustentação do cotidiano hospitalar, já que gerenciam não só o cuidado oferecido aos pacientes, mas também buscam oferecer condições para que as equipes inseridas no hospital possam executar seu trabalho a contento. “Os chefes de plantão se localizam profissionalmente numa região de convergência e de tensão, entre a prática administrativa hospitalar e a prática clínica. São eles que arbitram os conflitos, que possuem o conhecimento administrativo, mas que estão inseridos igualmente na arena clínica”, declara Juliana em sua tese.

Mesmo se existiam constrangimentos de ordem material e organizacional que poderiam dificultar o desenvolvimento do trabalho, de acordo com a pesquisadora, os médicos pareceram completamente engajados em sua função e substancialmente criativos frente às dificuldades encontradas. Em linhas gerais, diante dos dados levantados, pareceu à pesquisadora que a cooperação, a partir da construção de relações de confiança, e o reconhecimento da qualidade das decisões tomadas pelos chefes de plantão, compõem o cotidiano de trabalho deste grupo profissional. “São dinâmicas (a da cooperação e a do reconhecimento) cujo desenvolvimento é fomentado por aspectos da organização do trabalho que estão presentes no contexto institucional”.

O fato dos profissionais trabalharem há muito tempo juntos na mesma instituição parece ter contribuído para que o funcionamento fosse desta forma. As regras do trabalho construídas coletivamente ao longo dos anos, também. Tudo isso reforça, segundo a pesquisadora, a importância da manutenção destes coletivos profissionais.

Juliana Barros concluiu que a cooperação e o reconhecimento são aspectos importantes quando se quer privilegiar a construção da saúde mental dos trabalhadores e a prevenção de situações de adoecimento no trabalho. Ela também recomenda que entender as condições que tornam possível a existência destes dois aspectos nas situações de trabalho deve ser uma escolha daqueles que desenham as políticas institucionais e que desejam aliar a produção material com a produção da saúde dos trabalhadores.

Sobre as maiores dificuldades dos profissionais estudados, Juliana afirma que a maior parte dos entrevistados disse que a gestão regulatória dos leitos hospitalares, frequentemente os colocava em situação de impotência. Negar um leito para uma gestante em trabalho de parto ou o apoio solicitado por instituições de saúde parceiras em decorrência de limites estruturais da instituição, por exemplo, os caracterizam como uma espécie de porta-vozes de más notícias. “Como representantes do HU – USP na gestão cotidiana do hospital, este tipo de ação fazia parte do trabalho deles. Situações desta natureza pareceram ser um dos grandes desafios destes profissionais”, finaliza.

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