Uma das consequências de problemas de visão não detectados na infância é o efeito negativo provocado no rendimento escolar da criança. Só no município de São Paulo, o Programa Visão do Futuro tem o objetivo de realizar o teste de acuidade visual nos cerca de 131 mil alunos matriculados no 1º e 2º anos do Ensino Fundamental de escolas municipais e estaduais. Fora do Brasil, uma alternativa tecnológica para a detecção de um possível erro de refração são os aparelhos de photoscreener, que realizam essa triagem em questão de segundos, e sua eficácia foi o alvo de estudo da oftalmologista Daniela Lima em sua tese de doutorado na Faculdade de Medicina da USP.
O photoscreener funciona como uma espécie de câmera fotográfica que tira uma “foto” dos olhos do paciente. A cerca de um metro da criança, o aparelho detecta se ela tem algum erro de refração (miopia, hipermetropia, ou astigmatismo) e a magnitude desse possível erro, indicando se ela irá precisar ou não ser submetida a um exame oftalmológico com um especialista. Se der positivo, ela é encaminhada para a avaliação médica. “É bom porque a criança não tem que falar nada, ela só tem que olhar”, explica Daniela. Para chamar a atenção dos examinados, o aparelho emite luzes e sons.
O nome e os dados do paciente são registrados na máquina, na qual é possível encaixar um pen drive e salvar a foto obtida. Cerca de 1500 exames podem ser realizados em um único dia com o modelo SPOT Vision Screening™ PediaVision, cedido pelo fabricante para o estudo. Ele ainda não foi regulamentado pela Anvisa para ser colocado em uso no Brasil. De manuseio simples, a sua principal limitação é o custo, que está por volta de R$ 8 mil. Atualmente, nos hospitais brasileiros, a triagem é realizada pela medida de acuidade visual e pelo exame oftalmológico.
A tecnologia, assim, auxilia o trabalho médico nas campanhas de prevenção. “Nem sempre a família ou a professora conseguem perceber a deficiência visual, porque as atividades de perto são as mais importantes para a criança na idade pré-escolar. A sua demanda visual para longe é pequena. Por volta dos cinco, seis anos, para enxergar a lousa na escola, é quando podemos perceber se a visão dela é ruim de longe”, afirma Daniela. Por isso, campanhas que promovem o teste de visão em instituições de ensino, tal como o Programa Visão do Futuro, são direcionadas para essa faixa etária, quando o aluno ingressa no Ensino Fundamental.
Tabela de Snellen usada para o teste de acuidade visual. Fonte: Internet.
Maior acessibilidade
O uso do photoscreener também é estratégico em indivíduos que possuem limitações ou dificuldades de comunicação. “Algumas crianças têm paralisia cerebral, dificuldades de desenvolvimento neuropsicomotoras, síndrome de Down, autismo, então é usado o aparelho para o diagnóstico”, exemplifica a médica. O exame também pode ser indicado a crianças em idade pré-escolar, que ainda não têm a capacidade de olhar na tabela do teste de acuidade e dizer se estão ou não enxergando e o quê.
O fato de ser um aparelho portátil também amplifica o seu uso. Após a triagem inicial realizada nas escolas, os estudantes indicados são encaminhados a mutirões de exames promovidos pela rede pública de saúde. No entanto, “quando chega ao hospital, o aluno encaminhado refaz o teste, e quase metade das crianças têm visão boa, não precisaria estar ali”, diz a oftalmologista. Desse modo, um grande custo relacionado à logística — montagem da equipe médica, transporte e lanche para os estudantes — poderia ser evitado.
“Só que isso acontece em grandes centros. Você imagina que em lugares muito longes haverá uma triagem como é feita nas grandes cidades? Não vai. O Brasil é muito grande e o sistema público de saúde não oferece a quantidade de consultas ideias”, coloca Daniela. Ela também lembra que o simples uso de óculos é solução para as principais causas de deficiência visual na população mundial. Uma das possibilidades para se ampliar a triagem seria a utilização do photoscreener nas Unidades Básicas de Saúde pelo médico da família. Os resultados seriam transmitidos a um centro oftalmológico de referência para decidir se a criança deve ou não consultar um oftalmologista.
A médica ressalta, contudo, que em nenhum momento o aparelho deve substituir uma avaliação específica com um especialista, e que o seu intuito limita-se à triagem. Na pesquisa, exames de vista foram aplicados em diversos alunos encaminhados de escolas ao Hospital das Clínicas da USP com o equipamento tradicional e depois com o SPOT Vision Screening™ em uma mesma criança. Os resultados foram comparados ao final: “Houve uma diferença, os testes não foram exatamente iguais, mas ela foi clinicamente muito pequena. O aparelho hiperestimou a refração, mas não de forma significativa”, conclui a pesquisadora.