São Paulo (AUN - USP) - No imaginário das camadas sociais, é comum o desempregado assumir para si uma parcela de responsabilidade pelo seu destino no mundo do trabalho, desconsiderando que o desemprego é problema de uma determinada política econômica, e que grande parcela da população não tem acesso à educação e participação social e política plena. Além da culpa que assume, necessita de forte amparo familiar, o que nem sempre recebe. Estas foram algumas das conclusões da professora Belinda Plitcher Haber Mandelbaum do Instituto de Psicologia da USP (IP-USP) que pensando nas implicações do desemprego na vida pessoal do trabalhador, escreveu uma tese sobre os seus efeitos na estrutura familiar. Entrevistou famílias e realizou reuniões em grupo para dessa forma vislumbrar possibilidades de auxílio psicoterapeutico para desempregados.
Pedro, um dos entrevistados para a pesquisa, acredita que perdeu o emprego porque precisou de tratamento depois que uma caixa caiu sobre seu joelho. Assim como ele, muitos outros oferecem explicações que implicam sua biografia a seu destino, trazendo a responsabilidade apenas para si. Também constatou que estas pessoas sentem forte desamparo. Nem mesmo o sindicato é visto como uma instância de acolhimento. Sentem que as empresas não os reconhecem como seres humanos, que não são levados a sério, e que são solitários numa luta contra tudo e contra todos. Têm poucas esperanças no mercado de trabalho para si ou para os filhos. Para eles, é como se houvesse uma cortina que os separa de todo o resto do mundo na vida social.
Enquanto técnica do laboratório de Estudos da Família, Belinda notou a ansiedade de seus pacientes em relação ao trabalho. Entre eles, um administrador de empresas e sua mulher psicóloga que acreditavam que seu filho tinha dificuldades em lidar com perdas e derrotas. Num exame mais detalhado, percebeu que este problema era um problema da família. Que os pais, ao perderem o emprego, tiveram que re-estruturar toda a sua vida e passaram a ter a mesma dificuldade. Assim surgiu a idéia de montar um grupo de estudos para fazer uma leitura psicanalítica sobre os efeitos que o desemprego tem na dinâmica familiar.
Para a pesquisa, procurou famílias no Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CRST) na Freguesia do Ó. O CRST dá apoio a trabalhadores em diagnóstico e comprovação de doenças, acidentes e problemas de saúde decorrentes do trabalho. Apesar de ser um órgão da prefeitura para atender trabalhadores, cerca de 25% dos atendidos estavam desempregados e procuravam provar enfermidades causadas pelo antigo trabalho para obter benefícios do INSS.
Após convidar alguns desempregados e suas famílias, eram organizadas reuniões em que estes refletiam a sua situação, trocavam experiências, e procuravam alternativas. Foi discutido qual o sentido do trabalho para estas pessoas, as diferenças de impacto para homens e mulheres, e a reação de seus parentes, positiva ou negativa.
O que os ajuda a não soçobrar de vez é a família. O apoio que esta oferece ou não. É este acolhimento que é posto a prova: um amor acima dos problemas do desemprego, que exige re-estruturação, que transforma a hierarquia da casa, que afeta a identidade do homem e da mulher. Pois o problema não é somente a falta de dinheiro, mas as frustrações e carências que colocam em questão suas competências de tal forma que os levam a questionar sua própria legitimidade para existir. O trabalho não é apenas uma forma de obtenção de renda para sobreviver, mas uma forma da pessoa se afirmar como homem.