Os conselhos municipais, previstos na Constituição de 1988 e abundantes em boa parte das cidades brasileiras, são um instrumento de participação direta da sociedade na construção de políticas públicas. Apesar de boa parte destes terem função deliberativa ― ou seja, de elaboração e aprovação conjunta com as prefeituras dos orçamentos e, por isso, de redefinição política dos gastos públicos ―, muitos acabam sendo reduzidos a órgãos de fiscalização e consulta pelo Poder Executivo.
É o caso do Conselho Municipal de Habitação de São Paulo (CMH), conforme constatou André Tavares Ferraz em sua pesquisa de mestrado realizada na Faculdade de Direito da USP. Para ele, no período analisado em seu trabalho ― entre 2003 e 2015 ―, faltou maior atenção à lei, ao Direito e às “regras do jogo” no funcionamento do CMH.
Na Lei
O Conselho de Habitação paulistano começou as suas atividades em 2003, ainda no mandato da então petista Marta Suplicy. Segundo a lei que o regulamentou, dentre outras atribuições, compete ao CMH “participar da elaboração e fiscalizar a implementação dos planos e programas da política habitacional de interesse social (...)”. Além disso, cabe ao órgão “encaminhar e aprovar, anualmente, a proposta de orçamento” do Fundo Municipal de Habitação, que em 2015 teve uma verba de mais de 130 milhões de reais.
A composição do CMH é variada. Dos 48 membros ― com mandatos de dois anos ― dezesseis são representantes de órgãos públicos, incluindo treze membros da Prefeitura de São Paulo advindo das diversas secretarias municipais envolvidas na questão habitacional; dezesseis representam órgãos da sociedade civil, incluindo acadêmicos da área de habitação, centrais sindicais, sindicatos patronais e outros; dezesseis são representantes de entidades comunitárias e de organizações populares ligadas à habitação, sendo que estes são eleitos diretamente pela população da cidade.
Na prática
Apesar das responsabilidades previstas em lei permitirem grande grau de influência do Conselho no planejamento da política habitacional de São Paulo, não é isso que vem ocorrendo em todas as administrações que governaram a cidade desde que o CMH começou a operar. “O Poder Executivo continua elaborando a proposta orçamentária [sem participação do Conselho]. Ele envia a proposta para a Câmara sem passar pelo CMH e o Conselho só vai ter notícia das políticas públicas previstas no orçamento, quando ele já está em execução, quando o ano já se iniciou”, explica o pesquisador.
Além do Executivo desrespeitar a prerrogativa de elaboração da proposta orçamentária que cabe ao Conselho, Ferraz também observou que as três etapas inerentes ao processo decisório ― instauração, instrução e decisão ― não estão ocorrendo de forma devida. Segundo ele, os conselheiros constantemente têm que decidir e aprovar a liberação de recursos “para ontem”, sem terem acesso a estudos, diagnósticos e outras informações necessárias antes da sessão deliberativa. “Tem uma passagem muito interessante que extraí da fala de um conselheiro, que é assim: ‘parece que estamos levantando o braço pra decidir coisas que desconhecemos’”, exemplifica o pesquisador.
Olhar jurídico
Apesar dos problemas que o Conselho de Habitação tem encontrado para cumprir plenamente a sua função prevista em lei, Ferraz defende a manutenção do órgão, que teve eleições de seus membros populares nos dias 14 e 15 de maio. “De forma alguma esse instrumento dos conselhos não teve sucesso. Não. Vejo que não foi utilizado todo o potencial democrático e jurídico que ele tem. O potencial de reunir os diversos atores da questão habitacional [poder público, construtoras, movimentos de moradia etc.] no planejamento orçamentário, e assim garantir a eficácia jurídica de suas deliberações”, diz.
Para que o CMH participe mais ativamente da construção de políticas públicas o pesquisador ressalta que é necessário encarar o Conselho com um olhar jurídico, no sentido de fortalecer as regras e os procedimentos do órgão que são previstos em lei. Assim, para Ferraz, os conselheiros, conscientes de seus direitos e respeitando as etapas do processo decisório, terão melhores condições de tornar o Conselho mais efetivo.
“O argumento de que o Direito burocratiza, muitas vezes, é usado por quem ocupa posição privilegiada no processo decisório. Na realidade, o Direito exerce a função de reequilibrar a relação jurídica, empoderando a parte mais fraca, que, no caso dos Conselhos, são principalmente os movimentos populares”, finaliza o pesquisador.