Faltam menos de 60 dias para os Jogos Olímpicos no Rio. Muitas pessoas começam a ir atrás de saber quem são os atletas que representarão o Brasil e, mais que isso, quais as conquistas desses atletas e as chances que eles têm de conquistar o ouro. Porém, por trás de cada conquista, houve muito suor e dedicação que, muitas vezes, começaram na infância. A professora Michele Carbinatto, da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE/USP), se dedica a estudar e entender a vida dos atletas de ginástica artística, que começam tão jovens a treinar, e busca explicar o porquê muitos desistem da modalidade ainda tão jovens.
A formação de um atleta é um processo longo e não envolve apenas o quão bem ele se sai na modalidade em treinos, mas também como é a inserção dele em ambientes competitivos. Michele destaca dois fatores que influenciam diretamente na formação esportiva da criança: o apoio dos pais e a formação e atualização dos técnicos. Em sua pesquisa, ela tenta entender as relações entre os pais e o atleta, os pais e o técnico e o técnico e o atleta. Para isso, a professora realizou diversas entrevistas, tanto com os ginastas, quanto com os técnicos.
Nessas entrevistas, Michele destaca que é comum os atletas deixarem a perspectiva do alto rendimento na ginástica artística. Isso ocorre exatamente por conta da inserção precoce desses jovens no ambiente competitivo. Muitas das ginastas entrevistadas já competiam desde os dez anos e, ao chegar na idade entre 14 e 15 anos, já não se sentiam felizes competindo. A professora explica como esse processo deveria ter ocorrido desde o início: “Talvez se a inserção fosse mais amena e mais pedagógica, teríamos um ápice de gostar da competição no momento certo, aos 14 ou 15 anos”.
Michele também destaca como a função do técnico é importante para os atletas e como essa importância é tão pouco discutida. Ela explica que os técnicos de ginástica artística em São Paulo se destacam em relação aos de outros estados, pois desde o começo dos anos 2000, sobretudo no masculino, eles mudaram dois pontos no tratamento e treinamento dos ginastas. Esses são: a não especialização e o cuidado no processo de inserção em competições, com organização de séries obrigatórias nos campeonatos paulistas que permitiram melhorar os fundamentos dos ginastas. Os frutos dessas mudanças estão sendo colhidos agora, com grandes nomes na modalidade sendo formados no estado, como Arthur Zanetti.
A especialização dos atletas também é um tema bem discutido por Michele. Essa especialização pode ser de dois tipos: apenas em uma modalidade e apenas em um aparelho. É muito comum que os pais escolham um esporte para o filho, matriculando-o apenas em uma opção desde pequeno. Isso faz com que a criança não tenha experiências além daquele mesmo esporte, privando-a de desenvolver mais de uma habilidade, além de fazer com que ela se canse mais facilmente daquela modalidade. Além disso, é possível que técnicos percebem nos ginastas, ainda crianças, uma habilidade melhor em um determinado aparelho e passem a especializar a criança nele. Essa especialização pode gerar uma frustração futura no ginasta, pois quando meninos e meninas passam pela puberdade enfrentam muitas mudanças no corpo que afetam diretamente o rendimento na ginástica artística. “A ginástica é uma das modalidades que o biotipo corporal vai influenciar diretamente na biomecânica do movimento”, explica a professora. Por isso, há casos que as mudanças no corpo passam a diminuir o rendimento do atleta, que por só saber aquele aparelho específico, não se adapte mais às demandas específicas e desista de seguir para o alto rendimento.
Jogos regionais
Anualmente, a Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude do Estado de São Paulo promove uma competição entre equipes de ginástica artística das cidades paulistas. Esse torneio é importante para o desenvolvimento da modalidade no estado, pois representa uma grande conquista ficar em primeiro lugar e, assim, há o incentivo para as prefeituras investirem no esporte.
Além disso, esse é um momento fundamental para os técnicos, pois ao ter contato com treinadores de outras cidades, há muita troca de experiência entre eles. Michele explica que é graças a essa cumplicidade entre técnicos nas competições e a essa troca de experiências que o estado de São Paulo é hoje uma referência na ginástica artística nacional. Muitos dos atletas que representarão o Brasil no Rio de Janeiro vieram de São Paulo e se formaram nessas competições.
Porém, uma mudança no regulamento dos jogos preocupa os técnicos e os pesquisadores. O ideal, para promover o esporte e atrair investimentos, é que as equipes sejam formadas por ginastas da própria cidade, mas atualmente é possível contratar atletas de fora apenas para competir. Com isso, muitas equipes contratam ginastas renomados e acabam vencendo, prejudicando na formação e no incentivo aos atletas das cidades que ainda estão crescendo.
Para o futuro
Michele conta que o projeto é ampliar a pesquisa para englobar diversas modalidades. Com isso ela pretende estudar os técnicos e as relações interpessoais e profissionais em todas as ginásticas e também em modalidades artísticas, como patinação artística e nado sincronizado.
Para a ginástica artística, Michele propõe 4 caminhos de discussão: a essência da competição, a contratação nos jogos estaduais, o treinamento não especializado e o processo de inserção na competição.