São Paulo (AUN - USP) - O esporte como modelo de socialização e sua prática determinada por valores sociais é o ponto de partida do Grupo de Estudos e Pesquisas em Psicossociologia do Esporte em seus estudos sobre o esporte infanto-juvenil. Núcleo do Departamento de Esporte da Escola de Educação Física e Esporte da USP (EEFE - USP), o GEPPSE investiga nessas pesquisas o papel dos pais e dos valores do meio na iniciação esportiva escolar da criança e do adolescente.
Entre os trabalhos orientados pelo professor Antônio Simões, coordenador do GEPPSE e do Laboratório de Psicossociologia do Esporte da EEFE, estão as pesquisas Influência adulta na vida esportiva das crianças e Iniciação e prática esportiva escolar e suas dimensões na percepção dos pais, ambas iniciadas em 1998 e concluídas em 2000. Simões comenta que essas pesquisas têm como objetivo observar aspectos da socialização através de jogos, brincadeiras, esportes de competição, assim como a influência da sociedade - particularmente dos pais - na promoção de tal socialização e a percepção do papel do educador na formação psicológica da criança. "Em cima de jogos e brincadeiras é que se conhece o comportamento das crianças", afirma Simões, que reforça a importância da consciência do educador para se realizar com eficiência a inserção do jovem no ambiente.
Um dos frutos dos estudos do grupo, concluídos no ano passado, já foi publicado em revistas do Brasil e de Portugal. Sob o título A participação dos pais na vida esportiva dos filhos, a pesquisa do professor Antônio Simões, de Maria Tereza Böhme e Sidimar Lucato buscou uma abordagem sociológica fundamentada na organização do esporte infanto-juvenil em função de valores sociais e culturais do ambiente em que é desenvolvido e do qual fazem parte a criança, seus amigos, seus pais e os educadores. Reunindo 143 meninos e 94 meninas de escolas privadas na faixa de 12 a 14 anos, procurou verificar a participação dos pais na iniciação esportiva dos filhos em relação a pontos como: assistência direta, nível de incentivo e nível de exigência do pai e da mãe na vida esportiva de seus filhos, atentando para as alterações de influência do pai e da mãe em relação aos diferentes sexos dos jovens.
Conclui-se, basicamente, que os pais tendem a participar da vida esportiva dos filhos. Em geral, tanto o pai quanto a mãe costumam exercer assistência direta na prática escolar esportiva, seja de meninos ou meninas. Do mesmo modo, constatou-se que o nível de incentivo do pai e da mãe não variam significativamente quanto ao sexo do jovem. Já nos quesitos "nível de exigência para a prática esportiva" e "nível de exigência para que os filhos de tornem bons atletas", embora a maioria dos pais nunca tenha exigido que os filhos praticassem esportes, notou-se que, quando essa cobrança da prática esportiva existe, o papel do pai é mais acentuado em sua relação com o filho do sexo masculino: enquanto 38,3% dos pais fazem esse tipo de exigência aos meninos, isso ocorre em apenas 23,4% dos casos com as meninas. Se verificarmos o "nível de exigência para que os filhos se tornem bons atletas", constataremos que 48% dos meninos sofrem essa exigência por parte do pai, enquanto que apenas 38% das meninas a têm. Esse índice é quase o mesmo para meninos e meninos em relação à exigência da mãe, que gira em torno dos 38% em ambos os sexos. 69% dos meninos e 78% das meninas afirmam nunca ter recebido nenhuma exigência da mãe quanto à prática esportiva escolar, enquanto esse número é de, respectivamente, 61% e 72% quanto ao papel do pai.
Para além dos números, o estudo busca ir mais fundo no conjunto de valores que agem sobre o jovem. Considerando-se o esporte "modelo social que faz parte da formação do ser humano na infância e adolescência", torna-se, por isso, inevitável o estabelecimento de vínculos entre o esporte, a criança ou adolescente e o adulto, o que contempla uma série de emoções, pressões e imposições de valores. O estudo conclui que o esporte escolar está apoiado num modelo estruturado e desenvolvido pelos adultos com a responsabilidade de assessorar e incentivar os filhos nas resoluções dos problemas de formação esportiva, o que se daria através de diferentes mecanismos de poder e complexidade de relacionamento entre as lideranças adultas e crianças/adolescentes.
Por serem todos os envolvidos nessa dinâmica produtos de valores compartilhados e transmitidos, essa complexa rede de relacionamentos seria costurada, então, a partir do fornecimento de "identidades convincentes". São elas que definem, para a criança seguir, um perfil esportivo considerado adequado tanto pelo sistema educacional esportivo quanto pelo comportamento do adulto. A questão é que muitas vezes esse perfil desconsidera o papel efetivamente educador, formador e socializador do vivência esporitiva em proveito de valores estritamente ligados ao esporte espetáculo e ao ideal da vitória na competição. Desse modo, acaba orientando atitudes de todo o meio social em direção ao jovem, pressionado por valores e exigências de um modelo de êxito esportivo reproduzido tanto em âmbito escolar como familiar.
No ambiente escolar, segundo o professor Antônio Simões, o privilégio aos alunos mais habilidosos é um reflexo desse caráter seletivo que orienta o ideal de bom desempenho esportivo, propiciando ou acentuando a estereotipação e a exclusão. No meio familiar, a valorização da vitória como objetivo da prática esportiva reproduz o mesmo fascínio pelo esporte espetáculo que coloca em primeiro plano o "ganhar a qualquer custo". Ao se priorizar, nessa dinâmica de relacionamentos, o talento esportivo, em vez de se desenvolverem atitudes educativas para a formação social e psicológica do jovem, pode-se comprometer a própria socialização da criança e do adolescente, anteriormente concebida - pelos próprios pais, que afirmaram essa preocupação quando entrevistados - como uma importante função do esporte.
"Se os pais e a escola não proporcionam a orientação educacional esportiva e o apoio necessário, as crianças/adolescentes podem encontrar dificuldades nesse caminho esportivo", diz o texto conclusivo da pesquisa. Simões ainda completa: "A preocupação é que não se encare a criança como um adulto em miniatura, que faça o que os pais acham que ela deva fazer". A partir dessa abordagem sociológica da iniciação e do desenvolvimento esportivo infanto-juvenil, certamente se abre amplo campo de indagações sobre a atuação devida de educadores e pais nessa rede de valores lançados aos jovens, a fim de contribuir para a sociabilidade e a formação da personalidade infantil através do esporte.