É considerado idoso no Brasil todo indivíduo com 60 anos ou mais, e fazer parte desse grupo implica em carregar consigo uma série de estereótipos que muitas vezes não condizem com o perfil individual de cada um. Questões envolvendo a prática sexual nessa faixa etária, por exemplo, são geralmente ignoradas no atendimento da atenção primária de saúde mesmo quando os sintomas apresentados se relacionam com as infecções oportunistas típicas do vírus HIV; demonstra pesquisa feita na Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EE/USP) pela aluna de doutorado Rúbia Alencar.
O estudo entrevistou tanto profissionais da área (médicos e enfermeiros) quanto pacientes que se descobriram portadores do vírus após atingirem a terceira idade. Embora os idosos tenham procurado atendimento médico anterior em unidades básicas de saúde, em quase todos os casos a detecção ocorreu na atenção secundária ou terciária, retardando assim o tratamento de 42 dias até um ano. Após a análise das entrevistas, pôde-se depreender que atualmente há uma certa fragilidade na solicitação da sorologia anti-HIV para o idoso na mesma medida em que a sexualidade do mesmo é inviabilizada (ou mesmo invisível aos profissionais de saúde).
Os relatos dos profissionais deixam claro que o teste no qual é possível identificar os anticorpos anti-HIV no organismo não é uma rotina universalmente adotada nos centros de atendimento à saúde do idoso. Mesmo quando o indivíduo apresentava sintomas sugestivos de infecções oportunistas ou outras sintomatologias que acometem os portadores da Aids, era comum estes serem confundidos com as morbidades relativas à idade. Suely Ciosak, professora da EE e orientadora da tese de Rúbia, salienta a dificuldade na diferenciação das doenças e a necessidade de um olhar mais abrangente para o assunto, uma vez que elas podem apresentar consequências idênticas.
Além disso, a maioria dos pedidos de sorologia eram feitos para homens viúvos, que possuíam mais de uma parceira ou eram usuários de drogas, deixando de lado, tanto mulheres quanto os idosos que possuíam um relacionamento estável. Esse tipo de comportamento profissional se dá basicamente por conta da vida sexual do idoso permanecer velada e não ser levada em conta durante as consultas, fato que inibe as conversas sobre saúde sexual entre paciente e o médico ou enfermeiro. O assunto aparece somente quando já descoberta a presença do vírus e se limita a informações relacionadas a medidas que evitem a transmissão.
Uma vez que o número de casos de aids entre as pessoas mais velhas tem aumentado no Brasil, a pesquisa ressalta a importância de não se limitar a solicitação do teste para grupos específicos. O diagnóstico precoce é muito importante, pois além de evitar a evolução da infecção através da instituição do tratamento correto, ele ainda previne a ocorrência das doenças oportunistas como a pneumonia, que pode ser fatal para os idosos.
Mais a fundo
Suely Ciosak também participa de um grupo de estudos em parceria com o Centro de Saúde da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP) que pesquisa as doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) encontradas nessa população. Segundo a pesquisadora, um dos obstáculos verificados na prevenção é a relutância no uso do preservativo, principalmente o feminino. Dificuldades na colocação, perda da ereção e do prazer são os principais argumentos de entrevistados que se negam a utilizá-los.
A professora ainda explica a importância de um acompanhamento mais frequente sobre os hábitos e estilos de vida dessa faixa etária, uma vez que doenças como a sífilis possuem tratamentos eficazes e baratos quando descobertas em suas fases iniciais. Porém, se não acompanhadas corretamente, podem evoluir para quadros mais graves e irreversíveis. Segundo ela, envelhecer não necessariamente significa perder libido ou apetite sexual e o diálogo mais aberto sobre o assunto é necessário.