A cada segundo que passa nosso DNA está sendo agredido. Devido ao simples fato de nossa temperatura interna girar em torno dos 36 ou 37 graus, sofremos espontaneamente mais de 10 mil lesões por genoma em um único dia. Sem contar as lesões causadas por cigarro, álcool ou a própria luz solar. Calcula-se que a cada duas mil vezes que nosso genoma é replicado, uma base nitrogenada de RNA se infiltra equivocadamente em uma fita de DNA. Lesões e equívocos como esse podem trazer grandes consequências para nossa saúde se não forem devidamente consertados. É aí que entra o estudo de lesões celulares e reparo de DNA, tema vencedor do Prêmio Nobel de Química de 2015 e objetivo central do laboratório de Carlos Menck, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, o ICB.
Felizmente, nosso organismo possui sistemas que consertam essas lesões, os chamados mecanismos de reparo de DNA, fundamentais para a nossa sobrevivência. Eventuais defeitos nos mecanismos de reparo resultam em acúmulo de lesões no DNA. O acúmulo de lesões, por sua vez, “pode provocar mutações e essas mutações provocam câncer. Ou essas lesões podem matar as células e essa morte pode estar na base do processo de envelhecimento. Isso vale para a pele, para o pulmão, para o cérebro, para a sua idade”, explica Carlos Menck. O laboratório se dedica principalmente ao estudo dos mecanismos envolvidos no reparo de lesões celulares causadas pelo Sol, mais especificamente pelos raios ultravioleta (UV), que podem provocar sérios danos em nossa pele, como câncer e sintomas de envelhecimento precoce – manchas, pintas, rugas e pele seca.
Reparo de DNA
Fonte: DNA repair diseases: What do they tell us about cancer and aging? Menck CF, Munford V. Genet Mol Biol. 2014 Mar;37(1 Suppl):220-33.
Para melhor compreender os mecanismos de reparo envolvidos nas lesões celulares provocadas pela luz solar, o laboratório trabalha com células de indivíduos acometidos por uma rara doença chamada Xeroderma Pigmentosum (XP). Os cerca de mil brasileiros portadores dessa anomalia genética autossômica recessiva não possuem mecanismos de reparo contra as lesões provocadas pelo Sol e, como consequência, possuem altíssimo índice de câncer de pele, cerca de mil vezes maior do que na população comum. Menck afirma que o laboratório é o primeiro a analisar células de pacientes XP na presença de luz ultravioleta-A (UVA). “Estamos vendo diferenças cruciais do que está acontecendo com células desses pacientes na presença de UVA e na presença de UVB. UVA é grave e isso pode ser importante para o processo de envelhecimento e de câncer no paciente e na gente.”
Desde 2014, o laboratório sequencia o genoma e identifica as mutações de todo e qualquer paciente XP que tiver desejo de participar da pesquisa. Cerca de 10% dos brasileiros acometidos pela doença já foram analisados através da Facility, um sistema de sequenciamento de nova geração, do Centro de Facilidades de Apoio à Pesquisa da USP.
Atualmente, o laboratório busca desenvolver maneiras de maximizar a eficiência de determinados tratamentos de câncer através do estudo dos mecanismos de reparo de DNA. Agentes quimioterápicos, como cisplatina, doxorrubicina e temozolamida, lesam o DNA das células tumorais com o intuito de matá-las. Entretanto, os mecanismos de reparo são programados para proteger quaisquer células de lesões, sejam elas tumorais ou sadias, e, de forma contraproducente, acabam protegendo as células malignas que queríamos eliminar. O laboratório percebeu a existência de poderosos mecanismos envolvidos na proteção a estresse oxidativo, que dificultam enormemente a atuação dos agentes quimioterápicos mencionados. Com o intuito de tornar as células tumorais mais sensíveis a essas drogas, Menck e sua equipe buscam desenvolver inibidores para esses mecanismos específicos.