A tese desenvolvida na Faculdade de Saúde Pública da USP por Camila Aparecida Borges voltou-se para uma população deixada de lado quando o assunto é nutrição: os adolescentes. Em entrevista, a doutora afirmou que essa realidade foi uma das suas motivações: “A minha motivação principal para pesquisar os adolescentes foi por ser uma população esquecida pelas políticas públicas e pela nutrição e para conhecer mais a realidade alimentar deles.”
Camila mapeou os padrões alimentares praticados por adolescentes para estabelecer conexões com o contexto socioeconômico. Com base na Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) dos anos de 2008 e 2009 e o estudo Healthy Lifestyle in Europe by Nutrition in Adolescence, a pesquisa comparou a realidade alimentar de jovens do Brasil e da Europa. Questionada sobre os resultados, a doutora em nutrição afirmou que alguns dados surpreenderam: “As duas populações são muito distintas economicamente, culturalmente e socialmente, mas a gente encontrou semelhanças no padrão alimentar, principalmente nos ditos mais ocidentalizados.”
Como padrão entende-se as combinações de alimentos consumidas pelos adolescentes. No Brasil, eles foram separados em quatro grupos: o padrão tradicional brasileiro, composto por arroz, feijão, uma carne e uma verdura; o segundo padrão, denominado “lanches”, constituído por um pão acompanhado uma bebida açucarada, café ou chá. Um terceiro, chamado “snacks”, do qual participam lanches não saudáveis. O último inclui cereais matinais, sucos e derivados de leite.
Os padrões mais problemáticos, com maiores impactos negativos na saúde, são os lanches e snacks: “Quanto maior é a prática desses padrões, maior é a chance dos adolescentes desenvolverem excesso de peso. E quando a gente vai para obesidade, os que praticam esses padrões têm duas vezes e meia mais chance de serem obesos do que os que praticam menos. Tem uma relação direta com o estado nutricional.”
Quanto maior a renda, melhor a alimentação?
Com o passar dos anos e o avanço do desenvolvimento econômico do Brasil, algumas mudanças aconteceram na alimentação. O aumento da renda não tem relação necessariamente positiva com o estado nutricional. Ultrapassada a barreira da obtenção de comida, que impede aqueles que vivem na miséria de conseguir qualquer tipo de alimento, o dinheiro começa a influenciar negativamente as escolhas do brasileiro. Esse é um processo já concluído na Europa, como observou a pesquisa: “Com os dados europeus a gente viu que os adolescentes de maior renda têm uma alimentação um pouco desequilibrada. Eles consomem bastante ultraprocessados (alimentos como pães, refrigerantes, sorvetes e enlatados).”
No Brasil, o padrão alimentar tradicional está muito mais presente na mesa dos que têm menor renda: “Aqui a gente viu que os mais pobres são os que consomem o arroz, o feijão e a carne. Eles estão bem mais próximos das recomendações alimentares.“ Camila afirma que esse dado derruba a ideia de que a alimentação saudável necessariamente é cara “Ainda existe uma associação entre alimentação saudável ser mais cara, o que não é tão verdade se a gente pensar numa alimentação tradicional brasileira.”